Capítulo XXXV - Pés de galinha

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Alguns meses depois…

Cada dia que passava Francisca se sentia mais distante da sua própria sombra. Por alguns dias esperou a volta de Bernardo, mas isso não aconteceu. De cara, chorou no seu travesseiro pouco confortável e ficou ali pensando no dia de amanhã.

- A felicidade estava batendo na minha porta e eu não conseguia encontrar a chave para abrir. Ela foi embora e deixou apenas uma caixa vazia me deixando ainda mais com ódio de mim mesma.

Os dias se tornavam cada vez mais frio e a ausência de alguém para lhe esquentar transformou-se numa obrigação. As vezes dormia com Christina que lhe acolhia em seus braços e no final de tudo dormiam de conchinha, outras deitava sozinha com o seu edredom iludindo-se com um dia que não chegaria.

- Talvez ele venha, um dia. Pode ter acontecido alguma coisa. Estou apenas precipitando o meu ser, ele me ama e não vai me deixar. Está escrito no seu olhar que ele me ama.

Dar um basta na situação era necessário, todos esperavam isso dela, até mesmo os vizinhos que não viam mais ela na rua. Cochichavam porque não tinham o que fazer sobre a verdadeira causa daquilo e na maioria das vezes erravam ferozmente com ideias mirabolantes.

A gota que enchia aquele cálice de amor fez transbordar ódio e isso tudo foi convertido numa mudança brusca dos seus hábitos e corpo. Francisca conservou os cabelos grandes, mas se desfez da cor negra como a noite. Escolheu ruivo para simbolizar o fim do amor, já que só existiriam em células mortas.

No trabalho, Addison descobriu a falcatrua de Jaques desviando dinheiro da empresa então o mandou embora. Colocou Francisca no lugar dele, mas ela recusou o salario de Coordenadora de Finanças preferindo receber como uma mera faxineira. Addison assentiu, gostava tanto daquela menina que poderia adota-la como filha.

Addison encontrou um homem para ela no qual estava namorando faz pouco tempo, parou de fumar porque começou a achar que estava incomodando o rapaz e que poderia espantar ele. Sentava-se no divã amarelo e ficava dizendo como ele era bonito e inteligente. Nunca apareceu na empresa, ninguém via ela depois das cinco da tarde.

Francisca seguiu a sua vida desistindo das esperanças e só querendo realizar o seu último sonho: mudar-se para a Bahia, alugar um quarto numa daquelas repúblicas com pessoas jovens e construir uma nova vida. Isso tornaria-se possível se não fosse o fato de Abigail estar cada vez mais apegada a ela. Sempre conversavam pela noite sobre qualquer coisa que vinhesse a mente.

- Francisca, você deve achar que eu sou idiota. - Abigail massageava os ombros dela, mas o tom soou normal como qualquer outra frase da velha mulher. Francisca não entendeu o que tinha ouvido por isso disse:

- Não estou entendendo - colocou as mãos sobre as da idosa e direcionou ela a cadeira que estava mais próxima e ao alcance dos seus olhos.

- Sei de tudo, Clara está grávida, elas compram roupas com o dinheiro do jantar. Eu estou velha e não burra. - pegou uma tesoura e começou a cortar as suas unhas, virou o rosto para ver Francisca e só o que enxergava era ela atônita.

- Co-mo? - esss pergunta soou como se fosse um insulto.

- No dia em que ela estava vomitando e só tinha eu em casa. Eu tive sete filhos minha filha - estendeu sete dedos com as mãos - sei quando uma mulher está grávida, sei também que é um menino.

- Subestimamos essa velha mulher - pensou alto e logo após percebeu que ela havia ouvido, voltou-se para a conversa - porque, então, não fez como todas as outras e não a mandou embora?

- Eu me apeguei muito a essas meninas, isso não aconteceu com nem uma outra. Todas eram como qualquer outras, mas estas não. Estas foram de pessoas próximas que não puderam criar - tomou um gole do café e se levantou - não vou lhe encher com essa história, já vou indo.

FrancisquinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora