Capítulo XXI - Luxúria

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 - Eu escolhi não voltar. – Francisquinha disse com todas as palavras. Estava com os braços nas costas como uma menina traquina e com estes mesmos traços que escondia os borrões de uma mulher já florescida.

            - Então o caminho é aquele. – e apontando para um lado do caminho segurou a mão de Francisquinha ajudando ela a passar por alguns dos obstáculos do caminho.

            De repente as mãos se soltaram Francisquinha já estava quase no meio do percurso, ficou parada por alguns segundos esperando o homem chegar e nada.

            - Você não vem? – perguntou encostando-se a uma árvore.

            - Não. Esse caminho você traça sozinha. Cada um caminha de acordo com o que as pernas suportam, eu ainda não sei as minhas limitações por isso estou aqui nesse meio caminho.

            - Então boa sorte. – disse prosseguindo com o seu caminho.

            - Obrigado. – olhou para um lado, para o outro e se sentou. Sabia que tinha feito à escolha certa.

~~~~~~ ∙ ~~~~~~

Subiu as escadas rapidamente segurando seu vestido. Abriu a porta e viu o Sol tomando conta do quarto, as pequenas pilastras de meio metro quebradas. Petúnia jogada no chão sem reação.

Francisquinha caiu da janela.

            - Você matou a menina! – acusou sem piedade a tia que estava atirada no chão chorando, por impulso foi até a janela e viu Francisquinha dentro da fonte. – ela ainda está viva – gritou euforicamente, Petúnia ouvindo isso enxugou suas lágrimas e já estava levantando quando Pandora continuou – vai terminar com o seu serviço? Vai matar a menina só para não contar que você traiu a mãe dela com o pai. Que além de trair você teve duas filhas com ele que a proposito são as primas dela? – descendo as escadas correndo ela finalizou – Se quiser matar ela é só contar sua história de vida, ela vai morrer de desgosto.

            Francisquinha estava com o corpo todo dentro da fonte e, sem pensar duas vezes, Pandora entrou nela de roupa e tudo virou o corpo da menina colocando a cabeça sobre seu colo. Logo após encaixou a cabeça dela na borda e saiu da fonte, puxou a menina que já era uma moça, mas que ela se negava a acreditar, para fora da fonte e deixou-a no chão enquanto fazia respiração boca a boca e massagem torácica como aprendeu num curso logo após a morte do falecido.

            Ela não expelia a água que engolia de jeito nem um, parecia que não queria botar para fora. Aquele liquido diabólico que no momento só lhe fazia mal parecia estar satisfeito em meio a circunstancia. Continuou a massagem até que observou o rosto da menina vermelho, foi passando pelo seu corpo e viu que aquilo cobria toda a parte que foi de encontro à água. Repetiu a massagem só que de uma maneira mais intensificava e repetia em voz alta: você não pode morrer não pode me deixar aqui com ela, e naquele momento se lembrou de Petúnia que estava na porta olhando tudo como uma estátua de mármore.

            - Você não vai fazer nada? – gritou enquanto fazia os movimentos repetidamente – vá agora esquentar uma água, o corpo dela tem que ser aquecido. – Petúnia não se mexia, ficou parada atônita. Lágrimas saiam do seu rosto e seu cérebro queria se mover, queriam ajudar, mas seu corpo não respondia.

            - Deixe-me continuar senhora. – disse um dos seus homens enquanto ajudava Pandora a se levantar. Fez a primeira massagem e percebeu que foi forte de mais, tateou as costelas de Francisquinha para confirmar se não tinha quebrado nada. Aparentemente sim.  Por favor, não morra! Pensou e Francisquinha colocou para fora toda a água que tinha engolido.

~~~~~~ ∙ ~~~~~~

            Chegando numa porta azul bebê Francisquinha descobriu que ali era o fim do caminho. Procurava a maçaneta e não achava então resolveu empurrar a porta. Fechou os olhos e entrou em meio à escuridão. Quando viu, estava caindo em direção ao infinito. Gritava e pensava se aquela era mesmo a porta que ela tinha escolhido. Eu não quero voltar. Esticava os braços na esperança de conseguir segurar em algo e nada. Era inútil. Todos os esforços eram inúteis. Até que ela caiu numa imensidão de água e acordou. Estava viva.

~~~~~~ ∙ ~~~~~~

            Os homens já tinham a colocado na cama, estava descansando. Está viva, minha pequena menina. Acariciava os cabelos da menina como se fosse uma boneca de porcelana.

            - Senhora, a mulher foi embora. – um homem disse isso logo após abrir a porta

            - Mas que mulher? – disse sem se virar, estava anestesiada olhando aquele rosto de moça tão juvenil.

            - A que veio com as duas moças.

            - Desgraçada – sussurrou – mande chamar um médico imediatamente, ela está muito vermelha.

            O homem saiu e fechou a porta. Pandora ficou ali por um bom tempo, não largava a mão delicada e macia da menina que há algumas horas estava à beira da morte.

~~~~~~ ∙ ~~~~~~

             O médico chegou e trouxe consigo sua maleta com todas as suas parafernálias da sua profissão. Ser médico é morrer em meio à vida que trás de volta a cada aula, a cada consulta. É desafiar e ao mesmo tempo servir a vontade de Deus. Ser Deus por um dia para satisfazer o desejo incansável de que pode ser diferente pelo menos por um dia.

            Era um homem alto, não era gordo como a maioria dos médicos da região e por algum tempo Pandora desconfiou que ele não fosse um médico e sim um charlatão aproveitador. Mas depois do seu discurso cheio de palavras estranhas, comuns entre eles que nós, fora do ambiente deles não entendemos se deu conta de que ou era um bom médico ou um bom ator.

            - Por favor, deixamos as palavras bonitas para o seu relatório. Fale de um jeito que eu possa entender ou que me dê o gosto de escutar.

            - Pois bem, ela vai ficar bem. Vocês fizeram o que era precisa. Ela já expeliu toda a água e agora está bem.

            - Mas essa vermelhidão toda no corpo?

            - Se da por decorrência da queda alta na água, em alguns dias, dois no máximo, volta ao normal.

            - Obrigado doutor. Não lhe acompanho até a porta porque estou acampando aqui, se me entende – ele consistiu com a cabeça – fale com o rapaz baixo, não muito forte que deve estar na cozinha, diga a ele que o trabalho já está feito e ele vai lhe entregar o que é seu.

            Há anos que não se referia tão diretamente ao dinheiro, isso se dá pelo fato do seu falecido marido ter se apegado muito a ele. Pagava os funcionários com uma rigidez no calculo e não deixava passar um cruzeiro. Como estudou muito de matemática esse era seu hobby: contar dinheiro, contava como se o dinheiro pudesse possuir ele e o anestesiar da morte. Morreu sentado em sua cadeira, tentava pegar algo para escrever. Queria que o dinheiro fosse enterrado com ele e como no ultimo testamento deixou tudo para Pandora esse que foi o válido. Hoje Pandora administra bem o dinheiro do falecido, faz caridade, empresta para qualquer um, salda dividas de ‘’amigos’’ que na verdade são aproveitadores que ela nunca viu na vida, tudo se da em decorrência da falta de memória.

FrancisquinhaWhere stories live. Discover now