Capítulo XVI - Zero é par ou impar?

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   Sou como um touro rastejando pelo chão apesar de enfrentar os meus medos de frente. Já sou uma pessoa crescida e sei bem o que é certo ou errado. Pilhas de fardos de feno não suportam o que eu carreguei por muito tempo. As noites são frias, mas temos astros para nos guiar. Estamos indo em direção ao nada, na direção de perguntas sem respostas.

            Abriu os olhos.

            Viu o teto normal, como o de todo dia. E havia de mudar? Deveria, pois Francisquinha não sabia ou pelo menos não se lembrava de como ou que horas chegou a casa. A cabeça latejava como um coração pulsando dentro do corpo de uma menina que acabara de encontrar seu primeiro amor. Levantou e foi até o quarto da tia.

            - Vosso quarto cheira a pecado. – disse na porta, a tia estava estirada em meio a fotografias e cartas. – e as paredes estão molhadas, parece que choveu ali dentro.

            A tia já estava em pé, arrumando as coisas rapidamente dentro duma caixa. Francisquinha se aproximou da cama e pegou uma fotografia.

            - Quem é esta na fotografia? – perguntou sonsa, pois sabia que era a tia. Estava belíssima, os ombros caíam mostrando suas saboneteiras e uma mão atravessava por trás das suas costas e as segurando na barriga, próximo ao umbigo como um dono.

            - Deixe de conversas... – disse isso e já foi puxando o papel, Francisquinha virou.

            - E porque está rasgada? – analisou a foto cuidadosamente, já tinha atravessado o quarto e estava perto da janela pronto para pular e sair correndo se for preciso.

            - Arrumou suas coisas para... – nem terminou de falar e Francisquinha lhe cortou com um grito.

            - AH, É UM RAPAZ. Reconheço um pedaço de homem quando vejo. – falou isso e observou a cara da tia. O coração pulsava, o medo tomou conta do seu rosto e uma gota de suor gelado escorreu pela sua espinha. Depois Francisquinha deu uma gargalhada para disfarçar. – olhe os braços fortes, ou é uma gorda ou é um homem.

            - Passe para cá essa foto, preciso guardar essa caixa. – estendeu os braços e pegou na mão de Francisquinha. – Agora vá arrumar as vossas coisas, caminhe. – Francisquinha foi saindo e chegando à porta se virou e viu onde a tia guardava a caixa depois foi até seu quarto.

            Juntou tudo na sacola e saiu na sua jornada de sempre.

~~~~~~ ∙ ~~~~~~

            As coisas estavam acontecendo de maneira estranha porque eu só percebi depois de muito tempo.

            A aula era de Filosofia, mas a professora estava perguntando se zero é par ou impar.

            Uma grande parte da turma estava gritando alvoroçada dizendo que zero era neutro, nem par nem impar. Como uma pessoa que bebeu pouco, não está totalmente sóbria nem bêbada. Então, dizemos que estar bêbado é ser par e sóbrio impar, qual você vai jogar?

            Beber é esquecer que estamos vivendo, estender uma toalha sobre o chão e não se preocupar com o que vem.

            Estar sóbrio é aceitar e viver o que será lhe dado. É grátis, aceite essa esmola.

            A outra parte não sabia a resposta.

            Temos duas opções, ou é impar ou par.

            - Pois fique para a próxima aula. – terminou a discussão porque o tempo já tinha corrido.

            Estamos numa bola de perguntas sem respostas e cada vez que respondemos uma pergunta mais quinhentas vão brotando como pé de alface numa terra fofa, bem arada do sertão chamado bruto¹ onde um rapaz caminhava. Estava magro e a fome o consumia como um bicho corroendo de dentro para fora. Era a hora de descansar.

Sentou-se de baixo duma arvore de folhas amarelas e viu passarinhos. Estava meio tonto, mas conseguiu perceber uma cruz no chão. Tocou ela, encostou-se A e na pedra e descansou. Era o sentimento mais perfeito que já havia sentido, então relaxou os músculos e foi ao encontro do descanso infinito.

Dizem que quando morremos vamos para um túnel, estamos no meio deles e as pessoas escolhem para onde querem ir. Todo mundo corre para a luz, só que a luz de cada um é diferente. Porque o túnel só tem uma saída.

            Não baterei o martelo nesse fim. Quem sabe as pessoas não estão ligadas a outras. Somos figurantes, mas ajudamos alguns a brilhar. Espero que se lembrem de nós. Mas as pessoas esquecem, somos como chaves perdidas dentro de casa que logo são substituídas por outras novinhas em folha e tão pouco serão substituídas também porque é a lei da vida. Algumas lembraram sim, mas esqueceram porque coisa melhor vai acontecer na vida de cada um. Ninguém é importante o bastante, as pessoas vão esquecer. E quando lembrarem só seremos mais uma gaveta numa parede de cemitério.

            Para existir um ganhador precisa-se de um perdedor. Para ter um perdedor precisa de uma premiação. E se tem premiação é uma competição. A vida é uma competição. Competimos para saber quem é lembrado por mais tempo, quem vive mais, quem se serve dos melhores prazeres do mundo. Eu por sinal rejeito essa bandeja farta.

            A vida é uma bola de perguntas lançada numa ladeira terrível perto da casa de Thainara, amiga minha, faz ângulo de noventa graus horrível, dá até medo. Lançada nessa ladeira e se junta com a poeira de perguntas do chão até chegar ao fim, maior do que no início, pronta para ser lançada de novo numa outra ladeira que eu nem ouso desafiar a subir. Pois que venham mais quinhentas porque está aqui, é um par.

FrancisquinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora