Capítulo XXIII - Preguiça

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O erro está no princípio, mas quem ousa dizer a Deus que ele errou ao criar o homem? Quem se da o luxo de lembrar que Ele chorou e se arrependeu da sua criação?

Estava esperando. Não tinha muita gente no ponto, um tanto considerável para um sábado pela manhã. Já iria dar meio dia e nada desse ônibus. As pessoas pareciam estar acostumadas e esperar, escondiam no meio de suas bagagens a frustação que tinha de todo o mundo e só esperavam.

Um homem cantando uma música chata que deixava Francisquinha ainda mais aflita e um velho começou a puxar assunto.

- Como você é bonita filha. - Francisquinha pensou em dizer o mesmo, mas mentir para um homem naquela idade era um desaforo.

- Obrigado... E o senhor, vem de onde? - para continuar a conversa e tentar esquecer o tempo que não passava

- Eu venho do Rio.

- Estou indo para lá, me diga então... Uma terra boa?

- Sim, sim...

- E porque voltou? - continuava ainda atenta a conversa.

- Precisava descansar. Naquela cidade tudo é grande, impossível ficar calmo na minha idade.

- A melhor idade... - e foi cortada pelo velho senhor.

- Melhor idade? Eu daria tudo que tenho para ter a sua idade e como eu tenho pouco ninguém quer trocar.

            E o ônibus chegou, ainda bem. Não esperava ficar ali junto ao velho senhor conversando sobre a sua ‘’pior idade’’. Entrou e não demorou muito para o ônibus andar. Despedia-se de todo o mundo que viveu até agora e sentia que estava traindo a si mesma por abandonar todos daquele jeito. Era preciso.

            É um sacrifício que todos nós temos que tomar. Um dia você vai abandonar a sua casa, que você viveu por anos, onde é o berço de boas lembranças. É mais fácil largar uma asa confortável e procurar penas pelo caminho, somos movidos por desafios e se eles forem consumir uma parte de nós estaremos só ganhando.

            Todos nós sabemos que é difícil e errado, mas se for olhar para os lados só vamos encontrar paredes em branco prontas para serem desenhadas e no final de tudo pintadas ou lavadas para se tornar limpas para outras pessoas.

            - Mas me fale quem não erra. – uma voz gritava em seu subconsciente esperando respostas e eu não sei responder a elas. – me diga o que é errado e eu me negarei a fazer.

            - Errado é viver, então se mata. Errado é respirar, então entope as vossas vias. Errado é sentar-se, então que fique de pé. A casa está cheia de visita, os pecados vieram me visitar e só o que eu tenho para servir a eles são os restos de ontem e que se sintam lisonjeados por ter algo para eles. – outra voz brotava e Francisquinha não sabia se era ela mesma, na verdade não sabia nada porque já estava caindo no sono.

            Viu seu corpo caindo para o lado encostando sua cabeça no ombro duma mulher que estava a seu lado, havia cedido o lugar a ela porque odiava sentar-se perto da janela. Pegou no somo, mas foi surpreendida.

            - A passagem senhorita. – o cobrador passava de cadeira em cadeira pedindo os bilhetes e quando chegou a sua vez se viu numa saia justa.

            - Passagem... – e começou a ficar desesperada, não sabia o que fazer. Olhou para a janela em relance e estava em meio ao nada, não poderia descer ali. Numa ideia mirabolante começou a remexer sua bolsa procurando algo que ela não sabia e encontrou o bilhete, entregou ao homem com o coração na boca. Pandora pensara em tudo como sempre. Obrigado.

FrancisquinhaWhere stories live. Discover now