Capítulo X - O céu no chão

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 Bem longe de onde o homem se deliciava com a rapadura e a farinha e onde também ele admirava o alvorecer, estava ali Francisquinha deitada dormindo toda contorcida. Um braço tocava o chão frio e o outro acima da sua cabeça. As pernas estavam jogadas e nem pareciam partes do corpo. A boca rachada pela sede e a pele frágil e quase seca denunciavam a fome que persistia e lutava dentro de si.

Sonhou que acordava, abria os olhos e sentia um ar úmido, um cheiro de terra molhada entrando pela janela e quando abriu os olhos descobriu que não era um sonho.

Levantou num pulo, deu um grito que acordou todos da casa e saltou a janela. Saiu correndo como quem perde uma condução, de olhos fechados e a cabeça para cima. Girava como um peão sentindo a água no rosto que escorria até o cabelo jogando o líquido para bem longe até cair no chão.

Ficou ali no chão deitada, junto à lama, sozinha. Abria a boca e a água caía direto nela como se Francisquinha fosse uma rainha. Passava a mão no chão lamacento, mas não tanto, e fazia círculos e círculos. Ali era seu céu.

Fechou os olhos e fez sua oração de agradecimento. Orou uma, duas, três vezes e mais tantas que nem se sabe. Dizem que foram muitas, mas número exato eu acho que nem a própria deve saber. Só sabem que foi interrompida pela tia junto com as primas que lhe abraçaram e depois correram para casa.

Pegaram vasilhas, panelas, cuias, tudo que poderia guardar um pouco d'água elas recolheram e estenderam ao céu. Deixaram lá e entraram para casa, a tia correu para o quarto dela, que era ao lado do de Francisquinha e fez suas orações de agradecimento. Francisquinha voltou para a janela e ficou olhando algumas crianças brincarem na chuva enquanto as mães corriam e as avós choravam de felicidade. Era a melhor coisa que poderia acontecer.

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A chuva foi embora, mas trouxe um Sol fraco e bom. A terra foi ficando macia e fofinha.

Os primeiros brotos foram aparecendo e a felicidade foi crescendo. Em pouco tempo já havia crescido uns ramos consideráveis que vendidos dariam para viver um pouco. O poço atrás da casa estava cheio e de boa vontade dava água para os vizinhos e eles se deliciavam e agradeciam a tia de Francisquinha perguntando o que poderiam fazer para recompensar e ela dizia: "Que ore um Pai Nosso por mim e pelas minhas crias".

Nem tanto tempo se passou, mas o que colher já estava por vir. Os frutos apareciam consideravelmente médios só faltava paciência.

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Sentada num canto, nem percebia que o tempo passava. Escrevia uma história para aprender e ensinar.

FrancisquinhaWhere stories live. Discover now