Capítulo IX - Nem tudo é verdadeiro

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"Ou contrario de "O ogro e o bebê" Francisquinha guardou "O namorado da bailarina" dentro duma caixa pequena e bege, dobrada inúmeras vezes até se parecer com um embrulho de cocada e colocou lá dentro junto das coisas mais importantes que tinha: Um pedaço de pano que lembrava a sua meninice, uma pintura do tamanho de um retrato na qual estava à mãe, um pente pequeno e dourado que achou no chão e agora a história de um menino feliz..

Francisquinha acordou a noite com um barulho estranho adentrando o seu simples quarto. 

Abriu um olho e o outro ficou fechado, mas hesitando em abrir. O que estava aberto viajou pelo quarto todo minuciosamente, não esquecendo de nem um centímetro e não encontrou nada. Ou quase nada. 

O desespero tomou conta do seu corpo quando viu a janela aberta. O ar não tão quente, mas agradável adentrando o quarto fazendo com que ela ficasse mole e calma como a água em cima do colchão. 

Um estrondo de novo e ela arrastou as mãos para debaixo de travesseiro duro que nem uma pedra a procura de algo que possa ajudar se fosse atacada. Não achou nada. Deu um suspiro e ouviu não passos agressivos, mas calmos e lentos que pareciam não andar, mas flutuar sobre o chão frio de um material indescritível. 

Pensou no pior, pensou na tia a beira da morte querendo lhe dar um último adeus e também pensou que poderia ser um malfeitor querendo lhe fazer mal, então levantou bruscamente. Era realista a ponto de que se algo iria acontecer que acontecesse logo. Ficou sentada na cama pasma. Olhava para o nada com os olhos vidrados. 

- Mãe!? - disse contendo as lágrimas logo após alguns segundos parada. 

- Sim minha filha! - a mãe disse num tom angelical e Francisquinha caiu no choro. 

- Mãe. - ainda perplexa repetiu, não acreditava. Nesses segundos ela já tinha chorado tanto que os olhos já estavam inchados e vermelhos. Ficou ali olhando a mãe usando trajes esvoaçantes e onde é o ventre tinha uma grande mancha vermelha. Era sangue. Sangue puro de um bebê. 

- Eu irei lhe proteger querida, não se preocupe - a mãe deitou ao lado de Francisquinha e acomodou a cabeça dela no seu colo. Acariciou os cabelos dela e seu colo remetia segurança. Francisquinha estava no céu. 

~~~~~~ • ~~~~~~

Bem longe dali, um homem já velho e sedento olhava o nascer do Sol de outra maneira. 

Sentia-se aprisionado sem nem uma corrente, sem nem um cadeado, sem nem mesmo estar preso. Acabara de sair de um lugar frio e o castigo que lhe foi dado era pouco. 

A barba mal feita remetia ainda mais com os fios brancos a sua idade. Nem tudo é ouro meu querido e a vida não é boa demais. 

Gritos e gemidos, movimentos e conotações, sombras e castigo, o mundo estava entregue a ele e ele não aceitou. Nada é fácil demais. 

Lembrava-se de suas duas mulheres com vagos flashes backs dos momentos bons. Os ruins já esqueceram e que esqueça você também caro leitor, isso só empata nossa vida. 

Caminhou pelo chão de terra e por algumas vezes tossiu por causa do ar quente. Estava com uma trouxa nas costas e na mão um embrulho com um pouco de rapadura e farinha era rico só por ter isso e o mundo não lhe negava o pouco, mas lhe entregava o precipício para o mesmo morrer. 

Sentou numa grande pedra, abriu o embrulho, quebrou um pedaço de rapadura, colocou na boca e olhou o alvorecer. Ali não era o seu lugar. 

Pensava no futuro como pensa no amor. Todos nós precisamos, mas nem tudo é verdadeiro. "Não vivo para a arte porque arte é luxúria e luxúria é pecado" era o que dizia, mas sentia um aperto no coração. Uma fisgada como uma flecha de um índio quando atinge um peixe calmo que balança sua calda na água, como uma noiva quando está perto de cometer um erro. 

Isso é divino, mas é um erro. Um erro que corrói nosso subconsciente. Este erro foi meu e se quiser cometer de novo que fique a vontade, o conselho já foi dado.

FrancisquinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora