Capítulo XXXVII - Marcas de Expressão

21 1 0
                                    

Quando Francisca entrou na casa de Marcia, junto com as outras meninas, elas perceberam a presença de Abigail. Estava sentada numa cadeira olhando para a janela que trazia claridade para cômodo. Os olhos vidrados denunciavam que estava morta. Francisca abraçou a velha mulher e percebeu que ela estava rígida, presa de alguma maneira na cadeira só olhando para a janela.

Francisca sem saber o que fazer ficou ali com ela até que Christina a abraçou e foram falar com Marcia. Estava na cozinha com as mãos na bancada, o suor percorria o seu rosto e levemente ela corespondeu passando uma das mãos.

- Estávamos conversando sobre você, - referindo-se a Francisca que sentou numa das cadeiras atrás de Marcia - ela queria de algum jeito mudar o testamento. Eu vim para a cozinha coar o café - Francisca virou o rosto e percebeu, no fogão, o café derramado. - e ela ficou falando sozinha como qualquer outra pessoa da idade dela. A sua última palavra, que pelo menos eu ouvi, foi dinheiro. - Marcia debruçou-se em lágrimas e sentou-se do lado de Francisca. - Eu a conhecia e ela me odiava, estudei com Pandora e sei sua vida inteira. Eu não estou perto de você por acaso.

- Parece que tudo na minha vida não é por acaso. - Francisca virou-se e olhou a janela perto do armário da cozinha, sentiu o ar frio penetrar pelo cômodo e a fazer ter calafrios.

Christina não tirava os olhos de Abigail e, para não continuar daquele jeito, Tereza fechou os olhos dela. Marcia procurava agora freneticamente algo dentro duma gaveta da cozinha, virou-se e encarou Francisca.

- O que você queria que eu fizesse? Por que você está com essa cara? Isso me machuca sabia? - Marcia caiu em lágrimas, sussurrando lastimas e olhando para o relógio - Eu liguei para eles faz um bom tempo, porque ainda não chegaram?

- Preciso sair. - Francisca disse isso, levantou-se e foi em direção a porta. Quando estava chegando a ela viu uma bolsa aberta e algumas notas saltavam de dentro, pegou elas e saiu.

Chegou na porta do prédio e só conseguia absorver o caus do transito caótico do Rio de Janeiro. Olhou para os lados e observou os vultos passarem por ela, eram pessoas que nem percebiam a sua existência. Entrou no primeiro taxi que encontrou na rua e por um segundo se considerou sortuda por ter achado um tão rápido. Seus pensamentos foram logo cortados quando observou que o motorista e uma mulher se agarravam no banco da frente. Saiu do taci e entrou em outro vázio.

- Leve-me até a praia mais próxima, - disse ao motorista se encolhendo na porta para fazer um pouco de calor. Não estava tão frio, mas para alguém que conviveu anos no calor aquilo era um gelo.

Não demorou muito e o motorista parou próximo calçadão da praia do Leme, Francisca pagou e logo após desceu, andou um pouco e parou numa barraca improisada de uma ambulante bem simpática.

- Bom dia minha senhora, eu gostaria de uma água de coco por gentileza. - a mulher, que não era muito velha, mas já estava na casa dos 50, pegou o coco e o abriu com agilidade, em poucos segundos ele já estava na mão de Francisca. - Muito obrigado. - disse surpreendida. - A freguesia daqui deve ser muito boa.

- Não tanto quanto a de Copacabana. - respondeu a mulher sem demonstrar nem um pouco de interesse na conversa. Recolhia os bagaços do chão e voltou a limpar o balcão.

- Vamos minha senhora, preciso conversar para esquecer algumas coisas. - disse Francisca e a mulher a olhou com uma cara de deve ser uma daquelas loucas que perdeu o namorado e sentou-se numa cadeira.

- Meu nome é Marieta, satisfeita? Agora deixe-me voltar ao trabalho. - levantou-se e ficou procurando algo que nem mesmo ela sabia o que era.

- Dona Marieta? - a mulher olhou para ela com uma cara de surpresa, Francisca levantou-se e ficou na frente dela - mãe de Mario Antõnio? - as lágrimas veio nos olhou de Marieta, enxugou com a manga da camisa e voltou para a mulher.

- Você conhecia ele?

- Sim, ele dirigiu o ônibus que me trouxe até aqui, mais ou menos isso, pediu, para quando eu tiver tempo, para vir visitar a senhora.

- E a quanto tempo foi isso?

- Olha que tem mais de mês.

- Então você não sabe de tudo, pois bem, vou lhe contar, sente-se aqui. - Francisca e Marieta sentaram-se novamente uma em frente a outra, trocaram olhares algumas vezes até que a mulher continuou - Minha filha você não sabe nem um porcento dessa história. -Marieta disse isso e continuou com um suspiro que fez Francisca ter medo das próximas palavras - Mario Antônio nem carteira para dirigir ônibus tinha, trabalhava na firma de um amigo dele, esse amigo que ensinou a dirigir. Ele recebia um comissão que sustentava a mulher dele - mas ele não disse que não tinha mulher? Francisca pensou - Foi aí que aconteceu, um dia ele voltou para casa e não sabia quem era a mulher dele, bateu nela e ela foi embora. Depois desse dia os dois sumiram e eu nunca mais tive notícia. Ontem recebi um telefonema dizendo que ele entrou no ônibus, e ficou parado, não movia um dedo. Morreu ali mesmo.

- Não pode ser. Eu não acredito, ele falou comigo, disse que queria voltar para o apartamento e… - Francisca não se conformava, os braços de Marieta a envolviam e ela sentia-se mais acolhida com aquela mulher. Olhava para os lados e parecia que o mundo girava sua volta. Só enxergava vultos e a face das pessoa pareciam embaçadas. Correu dali deixando Marieta chorando e foi direto para o apartamento de Marcia.

Francisca entrou no apartamento com um estrondo, a porta bateu na parede e os olhos dela voltaram-se para a cadeira em que Abigail estava. Não tinha mais nada lá. Foi melhor assim. Francisca entrou na cozinha, mas não conseguiu encontrar Marcia, dirigiu-se até o quarto onde a encontrou sentada na beirada da cama.

- Já levaram - respondeu Marcia ríspida sem conseguir encarar Francisca. A maquiagem um pouco borrada denunciava que a pouco tempo estava ela chorando.

- Marcia, - Francisca não ouviu nem uma palavra que foi dita por Márcia - eu vou para a Bahia.

- Bahia? Com quem você vai morar?

- Eu preciso… não sei. Me viro, faço qualquer coisa, não sei. Eu não quero mais estar aqui. Parece que todo mundo próximo a mim vai embora, então, essa é a hora de ir.

- Você vai? - Christina estava na porta com a filha de Clara que chorava. - É isso que você vai fazer? Fugir? Deve fazer isso sempre não é?

- Eu vou, mas volto. - disse Francisca tomando a criança no colo fazendo com que ela pare de chorar - outra coisa, vou deixar o número da minha conta e senha do banco. Percebi que eu não preciso disso. Vou retirar um pouco para viver uns dias depois eu me viro.

- Você promete que volta? - Marcia perguntou - Se não voltar eu vou lá lhe buscar.

- Eu volto sim. Mas agora preciso ir.

- Você não pode ir agora, o testamento de Abigail. - Clara apareceu na porta com um papel na mão. Estendeu para Marcia que leu e ficou boquiaberta.

- Abigail deixou o dinheiro todo para um lar de órfãos. - disse ainda chocada, colocou a mão na boca.

Francisca não sabia o que dizer, tomou o papel nas mãos, leu e releu. Pediu a Marcia para ela dormir lá naquela noite e foi para a cama. A casa deveria estar vazia, um silêncio ensurdecedor tomava todos os cômodos e ela não conseguia dormir. Saiu no meio da noite e foi andando.

Chegou até um caixa 24 horas, retirou uma boa quantia em dinheiro, pegou um ônibus e foi para a Bahia.

FrancisquinhaWhere stories live. Discover now