TRÊS | ZAIRE TERRAM

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       Mais um dia se iniciava em Ipade, uma das cidades litorâneas, do reino de Amaranto. Zaire se levantou bocejando, lavou o rosto e pôs as roupas de trabalho. Andou devagar dentro da casa, não queria acordar a mãe ou irmã. Sabia que elas estavam cansadas do dia anterior, tinha ido à cidade vender cestos para peixes e frutas.

      A última colheita foi escassa, o solo de Amaranto parecia está enfraquecendo e aos poucos a população notava tal questão. O jovem adulto andou para fora de casa, indo em direção ao poço da pequena fazenda. Viu seu reflexo na água límpida, a pele negra e os olhos castanhos escuros. Os ombros largos e mãos calejadas, fruto do trabalho árduo, a cicatriz que marcava o olho esquerdo quase alcançando o fim do nariz.

      A marca o lembrava constantemente da noite severa, da tempestade e do golpe. Lembrava-lhe, principalmente, do cheiro da morte. Balançou a cabeça afastando as memórias dolorosas, fixou o olhar na paisagem litorânea. O mar Asiri preenchia a visão, penetrando o olfato de água salobra. Muitas vezes o clima lhe secava os lábios grossos e nariz espaçoso, mas na maior parte do tempo a brisa marítima era um alívio para rotina extenuante. Além de oferecer uma complementação à economia familiar.

      — Zaire, por que está acordado tão cedo? – sua mãe surgiu na varanda.

    — Quanto antes molharmos a terra, melhor será para semear. – explicou.

     — É verdade, meu querido. – suspirou a mulher, acompanhando o filho nos baldes de água.

    O sistema de irrigação havia quebrado semanas atrás, Zaire já tinha encomendado as peças para o conserto. No entanto, os conflitos entre Smaragdine e Celosia estavam atrasando as entregas para os pequenos comerciantes de Amaranto.

     — A terra está fraca. – Imani, a mãe falou. Abraçando com os dedos um punhado de gleba.

     — Também percebi, mãe. As águas do poço também estão abaixando. – retrucou preocupado, enxugando o suor da testa.

      — Que Iya nos proteja da fome. – clamou aos céus.

     — Ela nunca nos abandonou. Vivemos nas terras da estrela caída, nunca haverá fome. – Zaire tentou consolar sua mãe, tornando o último balde de água.

     — Vou acordar Nia, ela precisa ir a cidade para ver se as peças chegaram, querido. – a mulher informou, antes de entrar na casa.

      Zaire escutou as reclamações da irmã, sabia que a menina não acordaria tão facilmente em um dia fresco como aquele.

      — Deixe que eu vou, mãe. Não que fique adulando essa moleca! – o rapaz gritou, provocando a irmã.

    — Cale a boca! – Nia respondeu, saindo da casa aos tropeços.

    — Pegue um pão, menina! Não vá de estômago vazio para a cidade. – Imani correu para alcançar a filha, a qual já caminhava na estrada.

     Zaire foi alimentar os búfalos e cabras, carregando os baldes de farelo sob os ombros. O suor escorria pelas costas dele e respiração já pesava, o sol seguia seu caminho para o centro do céu. Imani tecia cestos para capturar peixes no Asiri, como forma de completar a alimentação e quem sabe conseguir uma renda extra. Precisavam de dinheiro para saldar algumas dívidas, nada preocupante, mas ainda assim eram débitos.

       — Vá descansar, mãe. – o jovem falou ao perceber que a mulher estava pálida e ofegante.

      Fazia alguns meses que a mãe apresentava sintomas esquisitos, vivia cansada e sem energia. Na cidade, ouviam-se que muitos outros estavam no mesmo estado. Principalmente, os mais velhos. Médicos e curandeiros não tinham diagnóstico para a doença. Tudo que recomendavam eram uma boa alimentação e repouso. Mas como seguir tais recomendações quando a terra a falhava em produzir, demandando mais esforços e cuidados?

Contos de Lucem - Ressurgir SombrioWhere stories live. Discover now