QUATRO | MALYA BASMAH

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       O clima árido fazia a garganta arder, inclusive daqueles que sempre viviram em Celosia. Era cada vez mais difícil respirar com a umidade do ar ainda em declínio, o preço da água aumentava todos os dias e a comida ficava escassa até nos grandes centros.

      Celosia nunca fora um paraíso, as condições naturais dificultavam tal amenidade. Contudo, as coisas pioraram significativamente com a queda da dinastia Badriyyah. A linhagem Badriyyah unira Celosia há cem anos, estabeleceu distritos e melhorou parcialmente a qualidade de vida. Ao menos, existiam reservas de comida e água, não permitindo que as pessoas caíssem completamente na miséria.

      No entanto, quanto mais Celosia se desenvolvia, mais incômoda ela se transformava para os outros reinos. Se os celosianos tivessem acesso à dignidade em sua própria terra, quem ocuparia os trabalhos mais abjetos em Ivory? Como floresceriam as gangues de mercenários para fazer os trabalhos desonroso do interesse smaragdino, se em Celosia houvesse casa, comida e tranquilidade? Quem transportaria o alimento amaranto sob condições de escravidão, se Celosia tivesse água suficiente para irrigação?

     Todos os irmãos pisavam em Celosia, exceto Palladian, que sempre se matinha neutro. Entretanto, o povo do deserto sabia qual era o parente mais perverso: Smaragdine. Sempre que uma produção de algum distrito não obedecia os critérios smaragdino, ocorria uma intervenção. Smaragdine era o mais ambicioso de todos os reinos, nada parava seus desejos.

     — Finalmente! Finalmente! – Pashan disse feliz. – Finalmente, aqueles smaragdinos desgraçados tomaram na cara.

     — Do que está falando? – Malya perguntou, curiosa.

     Já estavam na linha de produção, ficavam no distrito dos tecidos. Lá, desde o linho mais nobre ao pano de chão eram confeccionados. A matéria prima vinha principalmente de Amaranto, a tecnologia de Ivory, mas o lucro das vendas ficava majoritariamente em Smaragdine.

       — Ainda não soube, Malya?! – o rapaz baixo e troncudo, franziu um cenho.

      — Não, Pashan. Não tenho tempo para ficar fofocando em bares como você. – devolveu, enquanto misturava a tinta no tambor de tingimento.

      — Smaragdine foi atacada. Demônios entraram no palácio. – falou entusiasmado. – Dizem que muitos soldados morreram, e até um alto escalão foi levado para Tenebris.

       — Inferos invadiram o palácio de Nesta? – agora estava subitamente curiosa, e talvez assustada.

     — Não, só contaminados. Um daqueles que vemos de vez em quando por aqui. – Pashan desenrolava as fibras de algodão.

     — Cassete! – a moça caiu na gargalhada. – O poderoso exército smaragdino não conseguiu lidar com uma dúzia de contaminados!

      — Você acha que é só isso? – o jovem tinha um sorriso prazeroso nos lábios. – Os boatos dizem que o tal alto escalão que foi carregado para Tenebris é o noivinho da princesa Halina.

       — Oh! – fingiu um espanto teatral. – Como será que está o coração da pobre princesinha do reino das esmeraldas? – colocou a mão na clavícula, dramaticamente.

      — Espero que morra desidratada de tanto chorar. – os dois riram.

      Malya Basmah tinha vinte e um anos, diferente de seus conterrâneos mantinha um cabelo levemente ondulado no queixo, ao invés da cabeça raspada típica dos desertos. As feiticeiras do deserto haviam lhe ensinado como manter o cabelo limpo, mesmo com a restrição de água. Os fios possuíam a cor de amêndoas com alguns reflexos mais claros, que combinava com um dos olhos. Sua íris esquerda era preta como a asa de um corvo, possuía heterocromia, ainda assim seu olhar era oblíquo e audaz. A pele da jovem eram caramelada como a dos outros celosianos.

Contos de Lucem - Ressurgir SombrioWhere stories live. Discover now