Capítulo Três

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ELENA


Malibu.

Quando eu cheguei na Califórnia e resolvi toda a papelada da faculdade e a compra do apartamento com o papai, algumas semanas após nos instalarmos, antes de começar o semestre em Stanford, nós fomos à Malibu. Papai alugara uma casa perto da praia, um pouco distante da movimentação, onde os únicos sons passíveis de serem ouvidos, além de um carro ali e acolá, eram do mar, das ondas rolando e quebrando gentilmente na praia, e dos pássaros. Pela primeira vez, em semanas, longe de Atlanta, eu pude me sentir confortável e feliz. Foi ali sentada na areia daquela praia, ao lado do meu pai, admirando o entardecer, que, por fim, senti como se estivesse em casa. Foi exatamente em Malibu que a nova realidade pareceu menos assustadora e mais emocionante... mas, eu sentia falta dele. Oh, céus, como eu sentia falta dele!

Ironia.

Depois de tudo o que aconteceu, provavelmente ouvir essa sentença saindo da minha boca parece ser o cúmulo da ironia. Ninguém admitia explicitamente, mas, no fundo, sei que todo mundo achava que ele era quem mais sentia, que ele era quem não conseguia seguir em frente... que ele era quem mais estava preso a esse sentimento infindável... mas estavam errados. Cada um deles; e eu, também. Eu estava tão preocupada em ser altruísta, tentando não permitir que ele continuasse a se definhar emocionalmente, tentando desprendê-lo dessa linha invisível de dependência, tentando fazer com que ele pudesse seguir em frente; eu estava tão empenhada na minha tentativa de esquecê-lo e ajudando-o a me esquecer, que, no final, acabei lembrando e revivendo muito mais do que gostaria. Muito mais do que ele tenha feito, por sinal. Quando terminamos, eu sabia que Benjamin achava que não era a pessoa certa para mim, pelos seus problemas e sua instabilidade. Ao longo dos últimos meses, soube que fora um verdadeiro martírio, porque, para ele, Austin sempre foi o cara perfeito... e isso me quebrou por dentro.

Perfeito.

De fato, Austin é o cara perfeito; sim, ele é! Perfeito para qualquer garota, mas não para mim. Era apenas fantasia.

Quando nos conhecemos, não vou ser hipócrita e dizer que ele não me atraiu, porque, sim... ele mexeu comigo, por mais que no fundo eu não quisesse admitir em voz alta. Eu me sentia horrível apenas em pensar nessa possibilidade, porque parecia que eu estava traindo o Benjamin de alguma maneira. Quando começou a surgir os pequenos problemas, desejei, em algum momento, que fosse ele ao meu lado e não o Benjamin. Quando nos despedimos, lembro de ter dito algo parecido a "Se tivéssemos nos conhecido antes, talvez eu me apaixonasse por você" ou algo muito similar; sinceramente, eu não recordo. Olhando para trás, vejo quão tola eu fui em cada um desses momentos. Austin foi e continua sendo um bom amigo para mim, mas, no fundo, ele nunca seria a pessoa que deveria estar ao meu lado. Seria perfeito demais para um relacionamento da vida real, sabe? E, em algum momento, ele não iria lidar com toda a instabilidade que eu carrego aqui dentro. No fundo, agora, eu sei disso. Eu não precisava de uma pessoa completamente estável e saudável para estar ao meu lado e me fazer feliz, mas, sim, de alguém que fosse humano; e Benjamin foi esse alguém. Nesse relacionamento, as pessoas me acham forte porque lidei todo esse tempo com as dores causas pelo meu pai, pelo vazio que deixara no meu coração, porque pude me abrir e me permitir viver algo diferente, mas esquecem que o Ben, mesmo com toda a sua instabilidade e a sua vulnerabilidade, com a sua impulsividade, abriu mão dos seus problemas para me abraçar e tentar cuidar de mim ainda que, profundamente, ele quisesse que alguém simplesmente o carregasse no colo, beijasse a sua testa e dissesse que tudo iria ficar bem. Ele era apenas um garoto machucado em busca de amor para sanar as feridas deixadas pela morte da mãe.

Sei que todos estão na expectativa para saber como verdadeiramente está a minha vida, porque "foi a Elena quem seguiu em frente"; "foi a Elena quem realmente cresceu"; "foi a Elena quem abriu as asas e voou"; "foi a Elena quem, aparentemente, tomou a decisão correta para o bem-estar daquela relação". Foi a Elena isso, foi a Elena aquilo... foi a Elena. Mas, o que muita gente não sabe, é que essa mesma Elena foi quem continuou tenuamente apaixonada pelo capitão do time de futebol da escola. Ou melhor... é essa mesma Elena quem continua tenuamente apaixonada pelo camisa 10 dos Timberwolves, quem usa um colar cujo pingente é a inicial do nome daquele garoto pelo qual ela se apaixonou tão gradativamente...

O colar? Cortesia do cara perfeito que trouxe de presente ao chegar na Califórnia antes de começar as aulas na universidade. Há quanto tempo? Longos meses. Motivo? Bem...


Papai e eu estávamos no Aeroporto Internacional de San Francisco, o mais razoavelmente próximo de Stanford e Berkeley, esperando o Austin desembarcar. Ele fora admitido no curso de Ciências da Computação, na Berkeley, e estava aqui, a princípio, para resolver apenas a papelada da faculdade antes de mudar-se definitivamente. A última vez que nos vimos foi em frente à minha casa, logo após a colação, antes mesmo de terminar a formatura, quando ele foi me deixar em casa e se despedir de mim. Naquele dia, um pedaço do coração dele ficou comigo; naquele dia, eu achei que gostaria de ter me apaixonado por ele primeiro, se pudesse. Mas, ao vê-lo caminhando na minha direção com uma grande mochila nas costas e uma caixinha vermelha na mão, com um semblante que reluzia estabilidade, talvez todos os meus "E SE" não passassem de pura fantasia.

— Lá vem ele, todo galanteador. — Disse papai, perto de mim, num tom de brincadeira.

— Shh, pai! — Dei um empurrãozinho de leve e comecei a rir.

— No fundo, sabemos quem é o seu verdadeiro galanteador.

Antes que eu tivesse a chance de responder, Austin me abraçou com força e afagou o rosto no meu pescoço, permanecendo durante alguns segundos até levantar a cabeça, olhar para mim e sorrir.

— Senti a sua falta, minha Julieta.

— Eu também, meu Romeu. — Sorri dócil, e ele piscou para mim.

Papai pigarreou, apenas para alfinetar.

— Sr! — Austin estendeu a mão para o meu pai, que apertou e balançou a cabeça, assentindo.

— Como foi o voo? — Perguntou papai.

— Tranquilo, obrigado. — Austin sorriu.

— Estou curioso para saber o que há nessa caixinha aí. — Apontou para a pequena caixa vermelha na mão de Austin. — Não me diga que está pensando em pedir a mão da Elena em casamento?

— Oh, céus! Não! — Austin ficou ruborizado, rindo sem graça e nervoso. — Na verdade, isso é um presente para você, Elena. — Direcionou a palavra para mim. — Um presente que reflete algo que mexeu profundamente comigo dias antes da minha viagem para cá. — Ele abriu a caixinha e me mostrou um colar prateado no qual tinha como pingente a letra "B", em maiúsculo, com algumas pedrinhas brilhantes.

— Austin, mas por que... o que... — Respirei fundo. — Por que?

— Uau. — Papai declarou, baixinho.

— Porque é ele, Elena; sempre vai ser. Ainda que no fundo eu desejasse que agora fosse diferente, — Suspirou — eu sei que não é... e está tudo bem. Naquela música da Taylor que a Olivia tanto gosta de ouvir, o Romeu que vai te salvar, no fim da história, não sou eu. — Disse Austin, com um sorriso de menino nos lábios e o coração na mão, apertado como uma criança em busca de ar puro no meio de uma multidão.


Como eu disse...

Ironia.

FINE LINE: Do Outro Lado Da Linha | LIVRO #2Where stories live. Discover now