Capítulo 20

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Quarta-feira, 15:37 da tarde.

Refém da minha própria insegurança, minha vida tornou-se um eterno espetáculo circense, onde a palhaça da vez era eu. Superior ao desconforto que tomou todo o meu corpo quando Arthur estacionou próximo a sua casa, eu observava o caminhar invariável do sujeito que avançava lentamente rumo a ela. O bater do cordão ostensivo que patenteava seu brasão institucional civil, que o chicoteava diretamente em seu tórax. Sim, era possível vivenciar o inferno causado pela liberdade, tornando-se prisioneiro dela.

Atravessando a porta que encontrava-se semiaberta, o ambiente ainda estava da mesma forma em que foi deixado e o único som que pairava dentro dele era o da Tv, que ainda estava ligada. Não havia uma sequer saída ou caminho para que eu pudesse fugir e mesmo se tivesse, eu não poderia. Meu corpo expelia um forte odor de ferro, o sangue que escorreu acabou se tornando uma fina crosta seca e embora tenha sido um fatídico dia, o pior ainda estava por vir.

— Que infâmia, que tipo de criminoso bateria na porta? – O temperamento de Arthur alternava como uma montanha russa, da qual eu não conseguia descer. Dei de ombros ignorando totalmente sua pergunta, mas sabia que não por muito tempo. Apanhei uma muda de roupas limpas e trilhei em direção ao banheiro, calada. A água quente do chuveiro tombava satisfatoriamente sobre mim e todo martírio pareceu ter sido dissolvido no momento em que ela encontrou meu dorso, refrescando-me. Com os olhos fechados passaram-se pela minha cabeça cem mil maneiras de contar a Arthur o erro impensado que eu cometi, mas em todas elas acabavam com ele me deixando, sem exceções.

Aos dezoito anos descobri que meu fado era pular de mãos dadas para o abismo.

Não me prolonguei, tinha que fazer isso ou perderia a coragem. Desliguei o chuveiro, me sequei e após vestir minhas roupas, fiquei encarando minha própria imagem no espelho. Meus olhos revelavam a angústia e o pavor que eu estava sentindo, não foi necessário olhar no relógio para saber que fiquei muito tempo parada ali, unindo forças que jamais imaginei que seria preciso.

"Ele ainda me espera? Se sim, deve estar impaciente." – Pensei.
Com as mãos ainda trêmulas e dando leves passos, abri a tão tenebrosa porta e o encontrei sentado no sofá, que ficava no final do mesmo corredor, na sala. Caminhando em sua direção, ele notou minha presença e como já previsto, paralisei acovardamente. Seus ombros achavam-se largados, assim como sua postura e seus olhos estavam perdidos, por inocência minha, por me verem pronta para partir. O beijei, era loucura demais o que estava acontecendo, quando foi que eu passei a me interessar por homens da lei? Até meses atrás eu estava me divertindo com um drogado.

— O que foi? – Perguntei a ele, que me encarava.

— O que pretende com isso?

— Nada! Só queria sentir o seu gosto uma última vez, Tuti. – Era impossível decifrar qualquer pensamento ou ideologia que ele tinha sobre mim, ele não demonstrava reações.

— Tuti?

— Sim, é um apelido que eu acabei de inventar! – Nossos olhares se cruzaram e foi só depois de alguns segundos, que percebi que era como se eu ainda estivesse de frente ao espelho. Havia chegado o momento, respirei fundo e mirei o olhar ao teto, não tinha cara e nem coragem para encará-lo. — Há algumas semanas eu comecei a receber uma série de ameaças que variam entre mensagens de textos e telefonemas. – Entreguei meu aparelho celular a ele, para que ele pudesse ver que eu não estava mentindo. — No começo eu até pensei que fosse uma brincadeira de mal gosto, de fato meus amigos tem um péssimo senso de humor. Tudo aconteceu muito rápido, as ameaças se tornaram frequentes e partiram para o mundo real. – Arthur coçou o queixo e balançou sua cabeça, sinalizando uma rejeição. O interrompi selando seus lábios com a ponta do meu dedo indicador, quando o mesmo fez menção de começar a falar. Eu sabia que perderia a coragem de continuar no primeiro ato de desaprovação que partisse dele. — Eu fiquei com medo e me vi sem saída, minhas amigas também estavam em perigo! Me ameaçaram, me bateram e até deram um jeito de entrar na minha casa, eu só descobri a gravidade do assunto quando ouvi meu ex no telefone, discutindo. As ameaças estavam sendo direcionadas ao Eric, mas como ele não tinha dinheiro para pagar uma dívida, acabou sobrando para mim. Eu roubei, Arthur. Infelizmente foi a única ideia que eu julguei ser a mais coerente no momento e não tem um único dia que eu não me arrependa disso!

Na teoria era para eu estar me sentindo mais leve, mas na prática era do meu conhecimento que algo estava prestes a começar, não era o fim de tudo, não ainda.

— E você quer que eu finja surpresa, ou que te parabenize por sua tentativa frustrada de tentar me enganar? – Num ato impulsivo, ele apertou meu rosto e aproximou o dele no meu. Seus olhos que antes eram doces, se tornaram sombrios. — Eu já sabia! Sabe o que te denunciou? Esse teu olhar assustado! O mesmo olhar do mercado quando eu esbarrei com você e sua amiga, o mesmo que você lançou para mim quando eu te atropelei e o mesmo que você está fazendo agora, e que insiste em repetir.

— Como assim você já sab... – Sua revelação me atingiu em cheio. — Você estava me enganando esse tempo todo?

— Você mente para mim e eu que enganei você?

— Eu não enganei ninguém, eu só omiti a verdade! – Semicerrei os olhos, desapontada. — Eu me deitei com você, por que fez isso?

— Psicologia comportamental costuma funcionar bastante, ainda mais com mulheres! – Confirmou o que eu havia imaginado. — Não me leve a mal, é parecido com adestrar cachorros.

Esse tempo todo eu estava sendo um modelo de estudo. Arthur estava sendo um grande babaca! Ele sempre soube e escondeu isso de mim, me livrei de suas mãos com brusquidão e enfiei na mochila as poucas roupas que ainda estavam espalhadas pelo sofá, eu não passaria um só minuto a mais ao seu lado.

— Minha mãe costuma dizer uma frase que é bem verdade, ela diz que algumas pessoas te levam aos céus somente pelo prazer de te verem cair, obrigada por isso!

— Aonde você vai? – Perguntou ao me ver carregar minhas coisas com dificuldade. — Você mal consegue cuidar de si mesma, tem apanhado diariamente, presa fácil.

— Não tente agir como se importasse! Eu não sou um animal, eu não sou um rato! – Expus meu rancor. — Você também me machucou, a diferença é que não precisou levantar a mão!

— Vai me odiar por isso? – Não pude deixar de rir, ele realmente não me conhecia.

— Não, eu não odeio ninguém! Mas se eu odiasse, certamente você estaria no topo delas.

"Adultos não são amigos de crianças, eles sempre querem algo em troca."

*

Cyberstalking - Além do que se vêWhere stories live. Discover now