capítulo 38: sobre eventos do passado - parte 1

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Eu não preciso dos seus jogos,
fim de jogo
Me tire dessa montanha-russa.

——  Arcade - Duncan Laurence


***

Brandon

Alguns anos atrás...

Eu ouvia um bipe enquanto estava deitado naquela cama de hospital. Abri meus olhos lentamente para encontrar meus pais e Henry em pé ao lado, observando-me enquanto eu permanecia em silêncio.

Não havia palavras para dizer no momento, apenas uma enorme lacuna entre minha vida anterior e a do presente. E um fato interessante sobre mudanças reais, é que elas sempre são definitivas. Influenciam cada pensamento, cada ação. E nos modificam por inteiro.

Era assim que eu me sentia. Eu praticamente conseguia ver o antigo Brandon acenando de algum lugar escuro, enquanto o novo tomava gradativamente o seu lugar.

Com esses pensamentos, observei minha família. Eles estavam abatidos, o que era uma imagem impressionante, bizarra até.

Antes que minha mãe falasse, eu já imaginava o que iria sair dos seus lábios trêmulos. Ela chorou muito, pude perceber, e meu pai se encontrava no mesmo estado, senão pior.

— Brandon, meu amor...

— Por quanto tempo dormi? — questionei de repente. Minha língua estava meio pastosa e era uma sensação esquisita.

Ela não disse nada e repeti a pergunta.

— Quase três dias. — meu pai respondeu. — Você ficou sob observação durante esse tempo. O médico disse que foi um milagre você ter sobrevivido e não ter tido traumas. Foi uma colisão muito forte e... — ele não terminou porque começou a chorar. Era estranho vê-lo demonstrar tal emoção, afinal ele era apenas frio na maior parte do tempo. Mas naquele momento não. Ele apenas parecia profundamente ferido.

— Conte mais. — pedi, franzindo o cenho de dor. Apesar de não ser insuportável, minha lateral e costas doíam.

— A parte lateral do carro ficou bem danificada e era onde... — minha mãe respirou profundamente antes de continuar: — Era onde vovô Donald estava.

No fundo eu já sabia que isso tinha acontecido. O lado em que meu avô estava foi o mais atingido. Mesmo assim não diminuiu a dor e o vazio que invadiram o meu peito naquele momento. Eu tinha perdido alguém que era como um pai. Alguém que realmente importava para mim e acreditava em meu potencial.

Apenas fiquei em silêncio, absorvendo as últimas notícias, mas isso não impediu que lágrimas caíssem dos meus olhos.

— Não chore, querido. Vovô Donald está em um lugar melhor agora. Tenho certeza disso. — mamãe soluçou, acariciando o meu cabelo e rosto.

Meu irmão sentou-se na cadeira que havia na sala e colocou a cabeça entre as mãos.

Papai se aproximou de mim e disse:

— Meu filho, ele vai deixar muitas lembranças boas, mas o bom disso tudo é que você sobreviveu e...

— Eu devia ter morrido no lugar dele. — resmunguei, tomado pela dor e raiva. — O carro devia ter atingido o meu lado do carro.

— Não diga isso, Brandon! — mamãe tentou intervir.

— Quem foi?

— O quê?

— Quem colidiu contra o nosso carro? Eu ainda lembro-me de ver um carro saindo de uma rua e partindo para cima de nós. Quero saber quem estava dirigindo?

Papai passa a mão sobre o cabelo, tenso. — Ele... — hesita.

— Diga!

— Ele fugiu do local do acidente!

Fiquei atordoado com a revelação.

— Ele fugiu? Ele pelo menos se machucou?

Papai soltou um suspiro, e meio que previ a resposta.

— Eu chequei as câmeras de segurança do local e adquirimos as filmagens. O homem apresentava sinais de embriaguez e saiu de uma rua lateral assim que você passou com seu avô. Vocês estavam na linha de colisão e o acidente foi inevitável. — engoliu em seco, como se estivesse revivendo as imagens. — Por ser uma caminhonete e bem mais pesado, o carro acertou o veículo do seu avô em cheio, principalmente o lado do motorista.

— Que era onde o vovô estava. — murmurei amargamente. — E depois?

— O carro de vocês foi empurrado para a lateral da rodovia até parar. Não capotou nem nada, mas o lado esquerdo ficou bem danificado. O seu lado quase não sofreu danos, graças a Deus. — murmurou com lágrimas nos olhos. — Mas infelizmente seu avô não sobreviveu ao impacto.

Franzi o cenho, incomodado.

— E o homem? Como conseguiu fugir?

— O carro dele não teve muitos danos, acho que por ser bem maior e mais alto. As filmagens das câmeras mostram o momento exato em que ele sai do carro e foge mancando do local do acidente. Ele entrou em uma área de mata e depois não dá para ver mais da sua fuga. Acho que ele se machucou, mas não tanto quanto você e meu pai.

— O desgraçado nem mesmo prestou ajuda. — murmurei tomado pelo ódio ao imaginar a cena do maldito bêbado fugindo. — Quero ver as filmagens!

— Depois, assim que você tiver alta. O médico exigiu repouso.

— Vou esperar então. — suspirei. — Vocês conseguiram pelo menos descobri o nome do cara que causou o acidente?

— Felizmente sim. Como a caminhonete ficou no local do acidente, acionei as autoridades e analisaram a placa do veículo. Ele pertencia a Esteban Hernandez. — o nome era desconhecido para mim. — As buscas já estão acontecendo, mas estão difíceis. O homem sumiu e nem em sua casa apareceu depois disso.

— Já avisaram a família dele?

— Sim. Ele tem uma esposa e filha menor de idade. A mulher e ele são mexicanos, enquanto a filha nasceu aqui. Sabemos o endereço e a polícia tem observado o local, em busca de alguma pista dele.

— Certo, chega de assuntos criminais por hoje. Depois vocês conversam mais. — mamãe se aproximou do meu pai. — Vamos deixar Brandon descansar. Ordens do médico.

— Ok. Depois conversamos mais, filho. — papai disse, e acenei com a cabeça, pelo menos do jeito que consegui, afinal cada parte do meu corpo estava dolorida. Movimentei meus pés sob o lençol e suspirei aliviado a perceber que ainda tinha sensibilidade em minha parte inferior.

Eles saíram do quarto, e observei o teto da sala de hospital, pensando na merda que aconteceu.

Perdi meu querido avô Donald e isso era uma droga. De toda forma, meus pensamentos foram para a figura ainda desconhecida de Esteban Hernandez e algo me disse que ele precisava pagar. E se ele não fosse encontrado, alguém poderia pagar no lugar dele. 

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