capítulo 39: sobre eventos do passado - parte 2

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Eu não participei do velório do vovô Donald.

Minha mãe disse que a família inteira se reuniu e até mesmo nossos parentes de Austin compareceram. Toda a família decidiu ver o vovô pela última vez, menos eu.

No fundo isso foi bom, porque a dor só aumentaria ao ver o rosto sem vida de alguém que exalava alegria e apreço pela existência.

O período de repouso no hospital me impediu de vê-lo, mas depois tirei meu tempo para ir ao cemitério.

Parei em frente à lápide e não me importei quando meus joelhos cederam e minhas mãos tocaram a grama úmida. Meus ombros chacoalhavam com os soluços e meu pai não se aproximou. Eu preferia assim. De alguma forma ele entendeu que eu precisava desse tempo sozinho, então me observava à distância enquanto eu chorava como um garotinho que perdeu seu bem mais precioso.

Não sei quanto tempo passei ali, mas foram vários minutos antes que decidisse ficar de pé.

— Adeus, vovô. — murmurei, e justamente naquele momento voltou a chover.

Percebi que era o momento certo para voltar para perto do meu pai e sairmos do cemitério.

No carro, ele fechou os vidros das janelas e me observou enquanto eu enxugava os olhos com as palmas das mãos.

— Se sente melhor?

— Sim. — menti e ele suspirou antes de começar a dirigir pela rodovia pouco movimentada em direção à mansão.

Minutos depois, ainda com a roupa de luto, saí do meu quarto em direção à garagem. Sem que meus pais vissem, peguei o conversível e logo passei pelos seguranças na entrada.

Em poucos instantes estava percorrendo as ruas de Williamsburg e apreciei a pequena sensação de liberdade.

Quando me dei conta já estava entrando em um bairro caído e pobre da cidade. Segundo meu pai, era ali que Esteban Hernandez morava antes de fugir.

Parei o carro do outro lado da rua, de onde podia observar a casa simples e com uma pintura desgastada.

Ainda com os vidros fechados, fiquei ali por alguns minutos, então algo me chamou a atenção.

Ouvi uma porta batendo e a voz de uma mulher que disse:

— Está chovendo, Jéssica. Não saia!

Observei a garota que havia acabado de sair da casa de Esteban. Ela estava com uma sacola grande nas mãos e usava uma capa amarela horrível, que a impedia de se molhar por completo. Logo depois, jogou a sacola que carregava em uma lata de lixo por perto e caminhou de volta para sua casa.

Com o cenho franzido, vi o sorriso que pousou em seus lábios, como se ela apreciasse estar à mercê da chuva torrencial.

Foi então que aconteceu.

Ela parou e seus olhos se voltaram para o meu carro.

Minha respiração parou por um instante e apertei o volante do carro quando não entendi minha própria reação. Analisei o rosto meigo e belo da garota e, por algum motivo estranho, lamentei quando ela voltou para dentro de sua casa.

A porta se fechou atrás dela, e me lembrei das palavras do meu pai no hospital:

Ele tem uma esposa e filha menor de idade. A mulher e ele são mexicanos, enquanto a filha nasceu aqui.

Então a garota que acabei de ver era filha dele? Imaginei que fosse uma criança por volta de sete anos, e não uma adolescente. De toda forma, ela provavelmente era filha do desgraçado do Esteban, e logo senti ódio imediato por ela também.

Respirei fundo e, com muito custo, consegui voltar para casa sem sofrer um acidente pelo excesso de velocidade.

***

Meses depois, o paradeiro de Esteban Hernandez continuava sendo uma incógnita.

O cara era realmente um gênio do esconderijo, afinal nem as maiores autoridades contratadas pelo meu pai conseguiram encontrá-lo.

Seu histórico também não era um dos melhores.

Esteban havia sido preso por assalto à mão armada em um supermercado no México, mas foi solto logo depois pela lei frouxa de sua cidade. Passou poucos dias presos por violência doméstica contra sua esposa, que logo retirou a queixa. Além disso, ele foi flagrado várias vezes dirigindo alcoolizado e provavelmente havia cometido outros crimes, considerando o seu currículo extenso.

De toda forma, eu continuava espionando a garota.

A tal Jéssica, que descobri ser realmente a filha dele.

O mais estranho era que a garota parecia extremamente feliz, mesmo morando em um bairro de merda e casa horrível. Percebi que ela gostava de sentar em sua calçada com um livro velho nas mãos e sempre parecia sorrir de algo presente nele. Os livros mudavam conforme eu a observava, como se ela os devorasse em pouco tempo.

Odiando minhas próprias ações, parei de vê-la definitivamente. E mesmo com muita raiva de seu pai, não investi contra ela. Eu apenas segui em frente, tentando esquecer essa história de uma vez por todas.

Um longo tempo depois, eu percebi que isso não funcionou.

Eu continuava frustrado pelo desaparecimento de Esteban e precisava descontar esse incômodo em algo ou alguém. Mas quem?

Foi então que o improvável aconteceu.

E em um dia qualquer eu voltei a vê-la.

Jéssica.

Sem saber ela parou justamente na cova dos leões e eu a recepcionaria com prazer.

Seus olhos inocentes me fitaram naquele refeitório e engoli o choque assim que a reconheci.

Foi inevitável reviver todas as lembranças do passado e ali me dei conta de que finalmente tinha um bode expiatório. Alguém que pagaria pelas merdas que seu pai fez.

Minha doce e meiga Jéssica. 



🤍💣🤍

E aí, o que estão achando da fic?

Jéssica tem culpa de alguma coisa?

Comentem muito e deixem suas estrelinhas.

Eu amo cada interação porque isso me incentiva a continuar escrevendo❤.

Beijos😘

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