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|Capítulo 7|

2007

"Não acredito que te tenhas posto em sarilhos, mais uma vez!" A senhora de idade gritou para a neta.

Scarlet grunhiu em resposta e afundou a cara na almofada branca que estava na sua cama. Ela só queria que a avó saísse do seu quarto e a deixasse em paz. Ela só queria estar sozinha a ler um romance que pertencera à sua mãe, antes da última morrer.

Ela poderia estar a fazer isso, mas a avó tinha recebido uma carta da escola.

"Deixa-me em paz." A jovem murmurou contra a almofada.

A avó fez uma careta e pôs as mãos nas ancas, apesar da neta não a ver. "Eu não me vou embora até me explicares o porquê de agires assim!"

Scarlet manteve-se em silêncio. Estava a receber outro ralhete da sua avó por causa da estúpida professora. Depois da repreenda da professora, esta tinha avisado a rapariga de doze anos que ia contar tudo à sua avó. Ela não se preocupou, não seria a primeira vez que a avó receberia uma carta.

A senhora de idade também pensou assim, era só mais uma carta. Isto até ler o que lá estava escrito e ter ido até à escola, a pedido da professora de Scarlet.

Disseram-lhe que Scarlet se tinha metido em sarilhos, mais uma vez. Disseram-lhe que Scarlet é que tinha causado a confusão, mais uma vez. Disseram-lhe que Scarlet ficaria de castigo na escola, mais uma vez. Aconselharam a que Scarlet ficasse de também de castigo em casa, mais uma vez. Aconselharam a que a avó metesse a neta num psicólogo, mais uma vez. Explicaram que isto poderia ser a sua maneira de mostrar a revolta para com o mundo, mais uma vez. Avisaram que se poderia tornar em algo muito pior, pela primeira vez.

Sinceramente, a avó ficou com medo. Tinha medo do que "poderia tornar em algo muito pior" significava. Por isso, explicaram que estas pequenas confusões causadas por ela poderiam tornar-se em algo muito pior, como ela entrar no mundo criminal. Seguidamente, poderia ir parar à cadeia ou a uma casa de correção.

Isso assustou ainda mais a senhora. Ela não queria e não podia perder a neta.

Decidiu abordar a neta e confrontá-la. Mal chegou a casa, dirigiu-se ao quarto de Scarlet e começou logo a ralhar.

A moça estava farta de ouvir a voz da sua avó e começava mesmo a passar-se. Num impulso, levantou-se e pôs-se em frente da avó.

"Eu faço isto porque quero!"

"Porque queres? Não tens direito nenhum de andar a estragar a vida dos outros!"

Scarlet estremeceu quando ouviu as palavras da avó. Não era o objetivo da avó que a neta tivesse esse pensamento, mas Scarlet pensou que o que a avó queria dizer era que ela estragava a vida da senhora idosa.

Manteve-se sempre em pé mas, agora, tinha as mãos fechadas em punhos. Fitava a avó com um olhar matador, fazendo a senhora recuar um pouco com medo de que a neta não soubesse controlar os impulsos.

"Com que então eu estrago a tua vida?"

"O quê? Não! Filha, eu adoro-te, não digas isso." A avó tentou aproximar-se, mas a neta recuou como se não pudesse ser tocada pela mulher que a ajudara em momentos difíceis.

"Acabaste de dizer que eu estrago a vida das pessoas! Não tentes negar!"

Scarlet odiava cortar as unhas. Não que fosse uma rapariga muito feminina e gostasse de ter as unhas grandes para depois ir à manicura, apenas gostava de as ver grandes. Ela lembrava-se tão bem das unhas da sua mãe, sempre grandes, arranjadas, brilhantes. Ela adorava deitar a cabeça no colo da mãe enquanto a mesma fazia festas no cabelo da menina. As unhas compridas só ajudavam a que a sensação das festas fosse melhor. Por essas razões, queria ter umas unhas compridas, para puder dizer que era parecida com a sua mãe.

E o facto de ela adorar ter as unhas grandes fez com que, no momento em que falava com a sua avó, as suas unhas se tivessem espetado na pele. Ela fazia uma força enorme enquanto fechava as mãos e, eventualmente, o espaço nos seus punhos começou a diminuir e as unhas não diminuem o seu volume, tendo, assim, de arranjar sitio onde estar. Esse sitio foi a pele de Scarlet, onde elas se cravaram e deixaram-se lá estar.

A avó voltou a tentar chegar-se até à neta, mas esta voltou a desviar-se. Neste momento, sentia raiva pelo mundo. Desde cedo que já sentia ódio por tudo o que a rodeava, mas parecia que, neste momento, o seu ódio tinha alcançado proporções inacreditáveis.

É preocupante uma rapariga de doze anos já sentir tantos sentimentos negativos por tudo e por todos, mas era mesmo assim que Scarlet se sentia.

O pior é que, pela primeira vez, estava a sentir um sentimento estranho. Tinha uma dor aguda no peito e um nó no estômago. Seria isso o que intitulavam de 'culpa'? Seria isso culpa por estar a fazer a sua avó sentir-se tão mal?

E foi aí que ela percebeu. Ela não podia fazer isto à sua avó. Ela sabia muito bem o quanto aquela mulher a amava e o que ela daria só para proteger a neta. Scarlet não podia acusar a avó de achar que ela estragava a vida da senhora. Não era justo.

Por isso, deixou-se cair nos braços da avó e murmurou repetidas vezes o quão estava arrependida por dizer coisa tão absurda.

A senhora idosa disse que estava tudo bem; que era normal na idade dela. Decidiu deixar a neta sozinha durante uns minutos, para pôr as ideias em ordem. E assim fez, saiu do quarto e Scarlet ficou sozinha.

Uma vez sozinha, deixou que todas as lágrimas que estava a aguentar saíssem. Era inevitável chorar. O sentimento de culpa apoderou-se de todo o seu corpo e ela estava a sentir-se horrivelmente.

Mas pior se sentiu depois de saber que as lágrimas não eram só de culpa. Olhou para as sua mãos, que começaram a arder mal a água salgada das lágrimas lhes tocou, e verificou ter ferida nas mãos. Estas estavam vermelhas e a pele extremamente sensível, como se, ao mínimo toque, se fosse desfazer.

Percebeu mais uma vez que este tipo de coisas que a aleijavam, de certa maneira a acalmavam e a faziam pensar de outra maneira. Eram como uma droga sem prejuízos.

Ou achava ela que estas pequenas ações não trariam prejuízos.

++

A minha ideia original era fazer capitulos com cerca de 300/500 palavras, mas parece que não consigo.

Espero que consigam perceber que não precisam de sofrer de bullying para se começarem a automutilar. Eu própria comecei com estas pequenas ações (espetar as unhas na pele) e nunca sofri de bullying. E eu comecei apenas por frustração e irritação. Felizmente, consegui parar-me a mim mesma antes de algo piro acontecer. Ás vezes continuo a ter uns impulsos que me levam de volta a esses tempos, mas nada de grave.

Se sentires necessidade de falar com alguém eu estou aqui, apenas deixa uma mensagem e diz tudo o que quiseres porque, muitas vezes, so precisamos de um bom ouvinte e nao de alguem para dar concelhos.

ily, nunca te esqueças de sorrir :-)


Scar | a.i.Where stories live. Discover now