O início do inferno

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— Soube que veio se declarar culpado. — O delegado alfinetou assim que Micael passou pela porta com o advogado. — Já não era sem tempo.

— Quero ver os vídeos primeiro. — Pediu e viu o delegado dar uma risada debochada.

— Quer saber se foi realmente pego em flagrante agredindo e arrastando a moça? Foi sim. — Micael suspirou, tentando se manter calmo.

— Quero saber se ao menos vendo esses vídeos eu consigo me lembrar das coisas. — Disse baixinho. — Que eu fiz, me parece a realidade, mas eu quero lembrar.

— Tudo bem. — O delegado virou o monitor e então deu play. Micael se sentou em uma cadeira que tinha perto de si, e começou a prestar atenção nos tais vídeos.

Via as cenas e sentia raiva dele mesmo. Como tivera sido capaz de agir com tanta brutalidade? Era a pergunta que passava pela sua cabeça o tempo todo.

— Tudo bem, já chega. — Pediu após a cena do elevador. — Eu sou culpado, me coloca num cela e joga a chave fora.

— Micael, não é assim! Eu tenho que falar com o promotor antes. — Resmungou ganhando a atenção do cliente. — Eu sei que o vídeo é chocante, mas você tem que agir com a cabeça.

— Não. — Insistiu. — Eu sou culpado. — Repetiu.

— Você ouviu o homem! — Falou ao escrivão. — Escreve e imprime pra ele assinar de uma vez. Vou solicitar uma viatura pra levar você pro presídio hoje mesmo.

— Antes do julgamento?! — Perguntou assustado, tinha medo do que aconteceria no presídio.

— Você está em um hotel cinco estrelas. — Disse com um sorriso. — Vai aguardar julgamento em um três estrelas e então, depois da condenação, eu não queria estar na sua pele. — Escrivão chegou perto com a folha e o delegado ergueu a Micael com uma caneta. — Assina.

— Micael, pensa bem. — O advogado segurou a caneta, mas Micael puxou e assinou o documento.

Pouco depois foi encaminhado de volta a sela onde passou os últimos momentos naquela delegacia. Perto das seis da tarde um oficial foi buscá-lo e ele sabia bem pra que era.

O delegado entregou um documento ao policial responsável pelo transporte e então Micael algemado foi colocado no carro.

O caminho levou mais de uma hora, quando saiu, não sabia bem onde estava. Observou o lugar a medida que passava e o guarda o arrastava pra dentro sem se importar que ele estava com os pés também algemados.

— Tira a roupa. — Ordenou depois que tirou as algemas. Estava numa sala vazia, tinham dois agentes penitenciários, um deles com luva de látex e ele engoliu em seco só de imaginar o que aconteceria.

— Eu estava preso, não tem droga escondida dentro de mim. — Tentou se defender, mas os dois apenas riram.

— Tira logo a roupa, isso aqui é procedimento padrão. — Disse ainda rindo. — E digo mais, você não precisa ficar com medo do que vai acontecer aqui, quando chegar lá dentro, seus colegas marginais vão fazer coisa pior. — Assustou o moreno que se antes já estava apreensivo, agora tudo parecia ainda pior. Tirou a roupa. — Agora senta aqui. — Apontou pra cadeira de plástico que tinha ali.

Um dos guardas pegou a máquina que tinha em cima da mesa e passou sem dó em seu cabelo. Teve vontade de chorar, lembrou até de Sophia, ela amava aquele topete, ele amava aquele topete. Se sentiu fútil por um instante.

— De pé contra a parede. — Pediu quando já estava com a cabeça raspada. Ele não demorou a obedecer.

Um dos oficiais ligou a mangueira e jogou água gelada em seu corpo. Tremeu de frio, aquele lugar era úmido e nojento.

— Agacha. — A voz dominante ordenou e ele abaixou, esperando pelo que viria. A revista íntima foi tão rápida que ele tinha certeza de que o guarda não queria fazer tanto quanto ele não queria receber. Jogaram uma toalha mofada pra ele. — Se seca e veste isso aqui. — Olhou a camisa branca e bermuda jeans que no mínimo era de dois números maior que o seu. — Quando se vestir, senta e aguarda. — Ficou em silêncio. — Você ouviu eu falando?

— Sim.

— Então responde. — Ele ordenou.

— Sim, senhor. — Respondeu e observou um dos guardas sairem. Se vestiu e sentou, aguardou pelo que pareceu uma eternidade e então apareceu um terceiro guarda apareceu e o levou pra junto dos outros presos.

Aquele lugar era terrível, o cheiro de sujeira se sentia de longe. Não estava superlotado, mas com certeza não haveria cama para ele. Micael foi acompanhando o guarda e a medida que passava pelas celas, alguns presos voaram na grade para gritar e fazer escarcéu.

— Entra aí, Borges. — Mandou ao destrancar uma das celas. Outras cinco pessoas estavam lá dentro. Nenhuma delas tinha a cara boa. Haviam quatro camas de cimento apenas. — Boa sorte! — O guarda fechou o cadeado e Micael ficou sem saber como agir com aquelas pessoas.

— Hã... Oi. — Ser simpático ajudaria? Ele pensou. Não tinha ideia do que fazer, devia se sentar? Devia apertar as mãos? Devia dizer seu nome?

— Seu lugar é ali. — Um homem musculoso disse apontando pra perto da privada. — É o lugar de todo novato.

— Mas há espaço ali. — Apontou pro lado oposto. — Não tem necessidade de me fazer ficar perto de dejetos. — Tentou ser simpático ao responder, mas isso não foi bem visto. O brutamontes ficou de pé e se aproximou, Micael olhou os outros quatro companheiros de cela e os viu darem risadinhas.

— Você vai ficar ali porque eu mandei ficar ali. — Se aproximou bem e puxou o moreno pela camisa. — Ou você tem alguma dificuldade em seguir ordens?!

— De superiores, não tenho, mas você é apenas mais um preso. — Respondeu sem medo e levou uma cabeçada. Sentiu uma dor imensa no nariz e sabia que escorria sangue. O Brutamontes o largou e ele se afastou rápido, com certeza não estava esperando aquilo.

— Eu espero não ter problemas com você. — Cuspiu no moreno que ainda estava no chão. — Aqui é o seu lugar. — Apontou novamente pra perto da privada.

— Tudo bem. — Se arrastou sem dizer mais nada, arrumar briga com um colega de cela no primeiro dia que chegou não era a melhor estratégia pra sobreviver ali.

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Mal pregou os olhos a noite, tinha medo do que alguém lhe fizesse mal e o cheiro no canto onde estava era quase que insuportável.

Na manhã seguinte, ficou em seu canto, sem dizer nada. Recebeu seu café da manhã, mas como se fosse um menino franzino na quinta série, o brutamontes pegou sua comida e ele não teve muito o que fazer. Havia arranjado briga com um ser humano terrível logo no primeiro dia.

Aquela NoiteWhere stories live. Discover now