Meu protegido

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Micael passou uma semana em silêncio, aguentando as ordens e obedecendo o que Gilberto — agora havia descoberto seu nome — mandava.

— Esse pesadelo não vai acabar nunca. — Falou sozinho, enquanto estava sentado no pátio, durante o tempo de banho de sol. — Onde eu fui me enfiar!

— Falando sozinho, Micaela? — Gil chegou e lhe deu um susto, Micael engoliu em seco a ofensa do nome trocado e abaixou a cabeça. — Sabe, eu gosto do seu estilo, Micaela. — Mais uma vez o silêncio perdurou. — Você tem o meu respeito. Aguentou bastante coisa calado. — Ergueu a cabeça e encarou o bandido maior. — A partir de hoje você faz parte do grupo, e vai ficar com a cama do mosquito! — Um outro bandido franzino que estava ali pensou em protestar, mas pelo bem de sua saúde, achou melhor ficar em silêncio.

— Mas por quê? — Micael perguntou com medo. — Eu não fiz nada.

— Você aprendeu bem rápido quando era hora de ficar calado. — Sorriu. — Você tem minha proteção aqui dentro.

— E o que isso vai me custar? Vi filmes o suficiente pra saber que nada na cadeia é favor. — Rebateu e arrancou risadas dos presos. — Não tenho muito a oferecer.

— Em algum momento você vai me ser útil. — Deixou no ar e saiu de perto, sendo seguido pelo grupo de homens devotos que tinha. A certo ponto olhou pra trás. — Você não vem?

— Acho que prefiro tomar mais um pouco de sol. - Avisou e viu a expressão de susto no rosto dos companheiros, mas Gil apenas riu.

— Até mais, Micaela. — Caminhou com os súditos de volta pra cela.

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Naquele dia Micael se apossou da cama de Mosquito que por sua vez ficou no chão, no canto oposto a privada, que segundo Gilberto, era somente para testar os novatos.

Mais alguns dias e Micael foi avisado que tinha visita. Sorriu ao pensar que talvez fosse Sophia, mas se lembrou de que terminou com a loira e a mandou não aparecer ali.

Estendeu os braços e foi algemado, saiu junto com os outros presos até a ala de visitantes. Parecia somente um grande galpão, com várias meses de refeitório de escola. O guarda o direcionou e ele deu de cara com Augusto.

— Não esperava te ver tão cedo. — Disse ao se sentar, ainda algemado. — Isso aqui fica? — Ergueu as mãos pro guarda que tirou as algemas. — Obrigado. — O guarda bufou e saiu de perto. — Lugarzinho difícil.

— Eu imagino que seja, mas você me parece bem adaptado. — Ergueu uma sobrancelha. — Quase duas semanas que eu soube que você se declarou culpado! — Rangeu os dentes, irritado com a besteira que ele havia feito. — Corri pra fazer uma carteirinha pra conseguir te ver.

— Onde estamos? — Ainda não sabia, não é como se conversasse com as pessoas. — Falo bem pouco aqui dentro.

— Niterói. — Guto comunicou. — Um lugar que chamam de seguro, aí dentro só fica quem cometeu um crime barra pesada, ou seja, você está cercado de assassinos e estupradores de verdade!

— Tecnicamente eu sou um estuprador de verdade agora. — Falou baixinho e viu o amigo rolar os olhos.

— Faça me o favor, Micael. — Disse um pouquinho mais alto do que o tom que usava. — Você é um banana, eu não consigo enxergar você encostando em ninguém.

— Você não assistiu os vídeos? Viu como eu arrastei a coitada da mulher pro meu apartamento? O tapão que eu dei na cara dela dentro do elevador?

— Sinceramente, pra mim essa história está muito mal contada. — Deu de ombros e foi a vez de Micael rolar os olhos. — Você não vai me perguntar como está sua namorada?

— Ex-namorada. — Corrigiu com dor e Augusto deu risada. — Isso não é engraçado.

— Claro que é, vocês não vão terminar. Capaz dela ficar te esperando esses dez anos. — Micael balançou a cabeça. — Te trouxe uma foto de vocês. — Esticou uma foto dos dois abraçados em uma festa de aniversário de uma amiga em comum. Os dois sorriam apaixonados e felizes, Micael passava as mãos por sua cintura. Um sorriso se abriu no rosto dele instantaneamente. — Eu sabia que você ia gostar!

— É uma boa lembrança, obrigado. — Guardou no bolso da bermuda. — Como ela está?! — Ergueu o olhar e encarou o amigo.

— Um lixo desde que contei que você resolveu assumir culpa. Ela também não acredita que você fez isso, assim como nosso pessoal, está todo mundo querendo te matar, Micael.

— Eu sinto tanto. — Suspirou. — Não deixa ela sozinha, não a quero depressiva, eu não mereço uma lágrima sequer.

— Eu até tento, Samantha até surtou de ciúmes, você acredita? — Deu risada junto com Micael. — Mas no geral, Sophia quase não nos recebe. Já vou até te avisar que ela vai na sua audiência, não tem quem consiga tirar isso da cabeça dela.

— Só vai pra se decepcionar ainda mais comigo. — Suspirou. — Se puder dizer a ela que eu a amo.

— Eu digo sempre que estou com ela, mas não sou hipócrita, você sabe que eu te amo e que é meu melhor amigo, mas eu perguntei a ela se não estava com raiva da traição. — Micael balançou a cabeça. — Não que eu estivesse querendo incitar raiva nela não, mas assim, o estupro eu duvido muito, mas que você pegou a gata, isso é inegável!

— Ela devia era me odiar. — Bateu a cabeça na mesa. — Você tem total razão, além de tudo isso, a traição ocorreu. Eu consegui estragar tudo o que tinha de bom na minha vida em uma noite. Aquela maldita noite.

— Micael, você quer que eu avise seus pais? — Ele arregalou os olhos e balançou a cabeça muitas vezes. — A minha madrinha precisa saber, Micael.

— Meus pais estão na Europa! — Disse como se fosse óbvio. — Tem anos que eu não falo com eles e agora serão mais alguns.

— Você que sabe, precisa de alguma coisa? — Ele negou. — Sério, estou surpreso de te encontrar tão bem, achei que no mínimo você ia estar com a cara quebrada.

— Eu até apanhei no primeiro dia, mas foi de leve. — Começou a contar como estavam sendo seus dias ali naquele lugar. Aquela pequena parte do seu dia parecia normal, se sentia bem conversando com Augusto. Pelo menos até um agente interromper e avisar que o horário de visita acabou.

Todos os presos foram algemados novamente e levados em fila para suas celas. Micael havia pedido ao amigo que o ajudasse com dinheiro e ele prometeu depositar uma quantia a Micael assim que possível. Grato, Micael sorriu e caminhou com os outros presos.

Aquela NoiteWhere stories live. Discover now