Capítulo 06

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Tribunal do Santo Oficio



Freya passa o resto do caminho meio atordoada ficando a maior parte do tempo mais desacordada do que desperta, tendo a sensação de como se fosse morrer antes mesmo de chegar ao Tribunal. Ela estava de estômago vazio fazia dias e sentia sua pele arder em febre por causa da ferida, que não cicatrizava por completo. Tudo isso a deixava fraca, sem forças nem para levantar a cabeça, que apoiara no peito do homem, apenas se deixando ser conduzida para a sua morte.


O caçador para o cavalo na Praça da Fé, que ficava de frente para a entrada principal do Tribunal do Santo Ofício, que era uma construção altiva de teto abobadado com botaréu para apoiar as estruturas externas das colunas de sustentação, algumas janelas de vitrais espalhadas por toda a parede lateral e rodeada por um muro alto de pedra. A entrada era no formato de semicírculo adornada por uma cruz esculpida acima.


Ele desce do animal carregando Freya desfalecida no colo e leva-a para dentro do local passando pela porta dupla de madeira, ao qual do lado esquerdo se via os corredores onde ficava os dormitórios dos Padres e o gabinete do Bispo e do outro lado localizava-se a pequena capela a um canto e o refeitório com a cozinha, que dava acesso aos fundos no pátio com o alojamento e o estábulo.


Logo na entrada, o caçador vê o Bispo Domênico vindo ao seu encontro, então coloca a bruxa no chão, que desperta confusa, ainda a segurando pelo braço para que não desabasse. Ela fica encarando o homem grisalho, impecavelmente, vestido com uma túnica longa branca de seda enquanto o mesmo se aproximava.


- Adrian, achei que estava morto quando percebi que não voltara junto com os outros caçadores - confessa o Bispo colocando a mão no ombro do caçador e olhando com desprezo para Freya, que ainda o encarava.


- Eu me atrasei um pouco - explica Adrian olhando de soslaio para a bruxa, que apoiara a cabeça em seu braço.


- E não veio de mãos abanando - comenta Domênico a examinando da cabeça aos pés, reparando em suas vestes rasgadas e sujas de sangue seco e poeira.


- Ela está com fome e machucada.


- Levem-na daqui. - O Bispo ordena aos carrascos que estavam parados atrás dele. - Deem algo para ela comer e peçam que cuidem da ferida dela, não quero que morra antes de confessar seus crimes ou quem sabe delatar alguns dos seus.


Dois carrascos se aproximam e, um de cada lado, agarram os braços de Freya com força e a arrastam pelo corredor levando-a para a prisão no subsolo do Tribunal.


- Bom trabalho, Adrian - parabeniza o Bispo -, agora descanse um pouco antes da próxima caçada. - Ele afasta-se deixando o caçador sozinho.


Antes de seguir para o pátio, Adrian encontra no chão uma correntinha com pingente de lua cheia. Ele agacha pegando-a e olhando para o pingente, lembrando que já a vira no pescoço da bruxa. Então a guarda no bolso de sua capa cinza e encaminha-se para a cozinha saindo para a área externa na parte dos fundos do Tribunal e indo ao encontro de seus parceiros no alojamento.



○○○



Freya é levada para o subsolo do Tribunal, cujo o acesso é através de uma pequena passagem com escadas íngremes que sai em um extenso corredor estreito, fracamente, iluminado por tochas penduradas nas paredes. Eles a conduzem até uma das celas, onde a desamarram, mas a colocam acorrentada pelos pulsos, que já estavam marcados pela corda, e pelos pés em correntes enganchadas na parede de pedra. O local era um quadrado minúsculo, frio, úmido e escuro, que não possuía janelas. Os carrascos, depois de prenderem a bruxa, saem e trancam a pesada porta de ferro.


Ela acredita que havia desmaiado por alguns minutos, pois só percebera a presença de uma pessoa de túnica preta na cela quando esta se aproximara dela.


- Eu sou o Padre Gregório. - Ele oferece uma cumbuca, que trazia em uma das mãos, à Freya. - Vim te trazer uma sopa e cuidar da sua ferida. - O Padre coloca o saco de pano e o balde com água, que carregava na outra mão, no chão.


Freya apenas ergue a cabeça encarando o homem magro de cabelos pretos, mas que era calvo no alto da cabeça, a sua frente e ameaça cuspir nele, quando seu estômago ronca, fervorosamente, denunciando a sua fome. Então ela pega a cumbuca da mão do Padre e começa a tomar a sopa, que estava fria e sem gosto. Gregório espera a bruxa terminar de comer para apanhar o objeto de volta.


- Onde está a sua ferida? - indaga ele colocando a cumbuca no chão e ajoelhando-se ao lado dela.


Freya afasta o seu manto desbotado e mostra o pedaço de tecido manchado de sangue enrolado em volta da sua cintura.


- Isso não deve estar bom - comenta o Padre mais para si mesmo do que para ela.


Ele retira o tecido imundo que cobria a ferida e vê que a mesma estava coberta de secreção. Ao tocar na testa dela percebe que a bruxa estava com febre, então pega um pano limpo do saco de pano que trouxera mergulhando-o no balde com água ao seu lado e passa-o na ferida tirando toda a secreção que formara, depois cata uma garrafa de vinho espalhando o liquido pela ferida para desinfetá-la e, por fim, passa uma pasta feita de mel no local machucado tampando-o com um pedaço de tecido limpo.


- Agora vou rezar por você, para que se arrependa dos seus pecados e que sua alma seja purificada.


O Padre levanta-se recolhendo seus pertences e bate à porta que é destrancada por um carrasco, que ficara de guarda do lado de fora. Após a saída de Gregório a porta volta a ser trancada com um ruído seco que ecoa pela cela.


O Padre Gregório, depois de entregar os materiais utilizados para o carrasco guardar em uma das salas do subsolo, encaminha-se até o piso superior seguindo para o gabinete de Bispo Domênico.


- A bruxa que o seu protegido Adrian trouxe já foi cuidada, mas ela está muito fraca - comunica o Padre após entrar no gabinete.


- Mesmo assim - diz o Bispo sentado em sua poltrona aveludada -, você acha que amanhã ela já vai estar pronta para começar a ser interrogada?


- Acho que sim.


- Vou enviar uma mensagem para o Rei pedindo reforços - informa o Bispo pegando de cima da mesa o pergaminho enrolado e pregado com o selo da Igreja -, sinto que nossa causa contra os bruxos está enfraquecendo.


- Quer que eu entregue o pergaminho para o mensageiro?


- Sim e precisa ser agora.


Domênico entrega o pergaminho para o Padre, que se retira do gabinete indo direto para o pátio deixar a mensagem com algum dos mensageiros.



○○○



Cassius, depois de alguns dias de viagem, exausto com suas vestes sujas de poeira e terra, com a pele acobreada suada e os cabelos em caracóis pretos desalinhados, chega à sede do Tribunal do Santo Ofício. Ele percebe que a entrada do local é, fortemente, protegida e vigiada por homens vestidos de capas vermelho-sangue, então com o seu cavalo dá a volta na fortificação tentando encontrar outra forma de entrar, que não fosse pela entrada principal semicircular de pedra.


Nos fundos do local, o bruxo desmonta do animal de pelos castanhos e aproxima-se do muro, que era extremamente alto e não havia a possibilidade de ser escalado, além do que, provavelmente, teriam mais homens de vigia no topo.


Ele fecha os olhos, cerra os punhos e amplia sua audição tentando ouvir através das paredes, mas não consegue escutar nada. Então fecha os punhos com mais força, mas nada acontece.


Cassius, desapontado, abre os olhos colocando a mão no chão para canalizar a energia da grama que cercava o muro. Ele sente um arrepio percorrer todo o seu corpo e uma força invisível o repele arremessando-o para longe e fazendo-o cair sentado no chão.


- Isso não é bom. - Ele sussurra para si mesmo ao se levantar. - Só pode ser... - O bruxo se interrompe e esconde-se atrás de uma grade ao ver um homem de estatura mediana vestido com uma túnica longa preta acompanhado por um jovem magricela saírem por um portão de ferro.


- Leve essa mensagem ao Castelo Real, imediatamente - ordena Padre Gregório entregando um pergaminho ao rapaz.


O Padre retorna para dentro das dependências do Tribunal e o rapaz vai até o seu vagão colocando-se a caminho da estrada principal. Cassius, rapidamente, monta em seu cavalo novamente e segue o vagão a certa distância.


Caça às Bruxas (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now