It's Gonna Be Good

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Estar em Londres, a cidade dos seus sonhos, e não poder dar uma de turista logo de cara é quase pior do que não estar em Londres. Mesmo morta de cansaço devido à viagem do dia anterior, já estou na minha nova escola para o meu primeiro dia de aula. Para não falar que não vi nada da cidade, andei de metrô pra chegar até aqui. Muito sujo, mas muito eficiente. Polly me acompanhou para que eu aprendesse o caminho e depois foi para University of the Arts London onde cursa fotografia. Também vi de relance o Hyde Park, que fica no final da rua onde se localiza o Centro de Artes Teatrais.

Já fui à secretaria e confirmei se estava tudo certo com a minha matrícula, fiz o teste de proficiência de inglês, fui ao banheiro verificar se o cabelo ainda estava no lugar, andei um pouco pela escola para conhecê-la e ainda deu tempo de eu ir a cafeteria aqui do lado pegar um chocolate que eu estou bebericando enquanto aguardo a aula começar.

Como prometido pela agência de intercâmbio a aula parece ser bem exclusiva, com poucos alunos. Não tem nem 10 pessoas na sala até agora. Mas aquela era apenas a aula de inglês sendo que meu curso na verdade é de teatro musical, uma paixão que praticamente nasceu comigo. Como sou Intercambista, sou obrigada a fazer também aulas de inglês durante os dois primeiros meses pelo menos. Mas estou achando é ótimo. Quanto mais ocupar minha cabeça melhor.

Varro o lugar com os olhos e me sobressalto quando percebo uma pessoa na cadeira ao meu lado. Tenho certeza de que ele não estava ali um minuto atrás. É um garoto, provavelmente da minha idade, de cabelos bem pretos e espessos. Ele percebe meu susto e me olha.

— Oi! — Abro um sorriso tentando disfarçar o embaraço. — Desculpa, não percebi que você estava aí.

Ele parece confuso por um momento, mas logo estende o braço para me cumprimentar.

— Tudo bem, eu sou meio silencioso mesmo. — Aperto a mão dele. — Eu sou o Juan.

— Lua. — Ele franze as sobrancelhas. — É... Eu sei. É um nome brasileiro.

Os olhos dele, que são negros como os cabelos, se arregalam bem discretamente. Fico tensa imaginando se eu falei alguma coisa errada ou se o meu nome é algum xingamento em sei lá qual país da onde ele veio. Imagino que ele não seja inglês devido ao sotaque latino que eu reconheci.

— Eu sou argentino.

Percebo que estamos nos olhando fixamente com certo ar desconfiado. De repente, começo a rir descontroladamente.

— Ah... Meu Deus. — Eu consigo falar depois de alguns segundos de pura histeria. Alguns outros alunos me olham. — Desculpa. — Juan ergue o cenho. — Eu amo a Argentina, sabe. Amo Buenos Aires!

Juan limpa a garganta e se endireita na cadeira.

— Eu gosto muito do Brasil, também.

— Nem sei de onde vem essa rixa ridícula. — Respiro fundo depois de falar, me acalmando um pouco. — Por isso eu ri sabe, não foi nada com você.

Juan me olha com o canto dos olhos enquanto retira algumas coisas da mochila. Fico realmente preocupada com a possibilidade de tê-lo ofendido. Preciso aprender a me controlar.

— Tudo bem. — Um sorriso nasce nos lábios de Juan e ele volta a me olhar. — Eu também acho ridícula! — Faz uma pausa e pensa um pouco. — Só no futebol que dá pra aceitar afinal "Maradona és más grande que Pelé..." — O garoto cantarola.

Eu fecho a cara, mas fico feliz por já estar conversando amigavelmente com uma pessoa. Nunca fui muito boa em fazer amigos.

— Tá bom, tá bom. Vamos deixar o Maradona e o Pelé se resolverem sozinhos. — Como não sei nenhuma musiquinha de futebol contra os argentinos, resolvo mudar de assunto. — Você já foi para o Brasil?

— Várias vezes. Eu namorava um paulistano então praticamente todo mês estava em São Paulo ou Rio de Janeiro.

Juan sorri pra mim e dá uma piscadela com o olho esquerdo. Uma senhora baixinha com vários fios brancos na cabeça entra na sala já falando com os alunos então perco a oportunidade de responder.

Estou em Londres, prestes a começar o curso dos meus sonhos e com um possível candidato a melhor amigo gay. Talvez as coisas realmente se superassem.

***

— Você sabe que eu sou péssima com bandejas, né?

Enquanto Poliana arruma meu cabelo em um coque resolvo lembrá-la que eu não sou a pessoa mais equilibrada do universo.

— Eu sei. Você é bastante desastrada. — Ela pega um spray e espirra uma grande parte do produto nos meus fios fazendo com que eu tussa como se tivesse tuberculose. — Já falei com o Jeffrey e você vai ficar comigo no bar a maior parte do tempo.

— No bar? — Penso em mim cercada por copos de cristais caríssimos e garrafas de vidro cheias de álcool. Tremo um pouco ao imaginar.

Poliana pega um batom rosinha e passa nos meus lábios com cuidado.

— Exatamente. Você já tem 21 anos então não tem problema nenhum.

Tento explicar que não é exatamente comigo que eu estou preocupada e sim com a prataria, mas ela me interrompe.

— Prontinho. — Polly guarda o rímel transparente que estivera passando em meus cílios e se vira para o espelho em nossa frente. Estamos no quarto dela que é um pouco maior que o meu, mas não muito diferente; só que não há flores na janela. — Bonita, mas sem chamar a atenção.

Olho o meu reflexo com cuidado. Não pareço estar realmente maquiada e essa era a intenção já que os funcionários do buffet deveriam passar despercebidos. Mas também não estava com a minha cara cansada e amassada de sempre. O batom nos meus lábios grossos era o ponto mais diferencial e os cílios, bem abertos e separados devido ao rímel, deixaram meus olhos mais marcantes.

— Agora vista isso.

Um embrulho cai no meu colo e eu resmungo.

— Eu vou ter que usar isso mesmo? — Não abri o pacote mas sei o que é porque Polly já está vestindo o uniforme.

Não é horrível, mas também não é algo que eu usaria se não fosse obrigada. Social não faz o meu tipo e o uniforme era basicamente isso: calça e camisa social com um terninho por cima. Tudo em uma cor creme detestável.

— Não é tão ruim assim e você pode usar um casaco no metrô.

Os cabelos ruivos de Poliana também estão presos em um coque perfeito como o meu. Ela se inclina um pouco em direção ao espelho se olhando criticamente.

— De quem é esse casamento mesmo? — Pego um casaco preto pendurado na maçaneta da porta e minha velha e esfarrapada mochila florida onde enfiei qualquer coisa que me poderia ser útil no meu primeiro dia de trabalho na Inglaterra (livro, escova de dente, spray de pimenta, etc.). — Achei que esse buffet só trabalhasse para pessoas importantes.

— A noiva é a mãe de algum popstar do momento. Não falaram detalhes. — Polly passa o spray pela última vez no próprio cabelo e pega a sua bolsa. — Agora vamos por que o Jeffrey odeia atrasos.

— Quem é Jeffrey mesmo?

— Seu mais novo chefe, Lua!

— Não sei por que, mas já não gosto desse Jeffrey — murmuro ao sair do apartamento.



De Lua, com amorWhere stories live. Discover now