Spread a Little Sunshine

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Five, six, seven, eight

Finalmente as aulas que eu esperei tanto começaram. A primeira é a de jazz clássico, coisa que eu já fazia no Brasil quando era menor, mas estava parada há algum tempo. Dentro da minha obsessão por teatro musical, dança nunca foi o meu forte, sempre me dei melhor em canto.

A sala foi divida em dois grupos para o aquecimento. Estou sentada no tablado com as costas contra a parede ao lado de Juan e observando o primeiro grupo. A professora Marie, uma mulher esguia de cabelos loiros e bem lisos, faz a contagem típica do jazz em voz alta.

Passo a observar os alunos. A maioria é formada por garotas entre 18 e 25 anos. Todas ou magérrimas ou com o corpo cheio de curvas. Desvio o olhar para a parede espelhada em frente e vejo o meu reflexo. Sou o retrato da normalidade. Cabelos ondulados castanhos presos em um rabo de cavalo, pele morena, coxas mais grossas do que qualquer garota inglesa e um nariz meio desproporcional.

— Você está meio quieta hoje — Juan diz e eu percebo que ele estivera me olhando.

— É... — Eu suspiro baixo. — Acho que eu ainda não me acostumei com essa coisa londrina.

— Coisa londrina? — ele repete arrumando os cadarços dos tênis.

— Sabe, aquela sensação de que você está sonhando e que nada disso é realidade. — Tento explicar o comichão que sinto toda vez que me lembro que eu estou longe de casa. — Isso soou meio piegas, eu sei.

Nós dois rimos.

— Mas eu entendo o que quer dizer. Ás vezes eu acordo e demoro uns segundos pra lembrar que eu não estou no meu quarto com o Puggy.

— Puggy?

Minhas sobrancelhas se erguem e ele ri da minha expressão desconfiada.

— É o meu cachorro.

— Sei! — digo com incredulidade, mas solto uma risada alta logo em seguida.

— É verdade. Infelizmente não deixei nenhum carinha para trás. — Juan finge uma expressão triste. — E você? Tem alguém te esperando no Brasil?

Volto a olhar o grupo na minha frente, prestando atenção nos movimentos que terei que repetir daqui alguns minutos. Quero me concentrar naquilo para não deixar minha mente vagar para o indesejável. Não quero lembrar do Brasil ou de relacionamentos. Cheguei à conclusão que eu não tinha sido feita para isso.

— Não— respondo. — Não deixei ninguém para trás.

Juan não parece ter acreditado, mas é a verdade. Não deixei ninguém para trás, além da minha família. Meu coração estava ali comigo e ficaria assim.

***

Depois de três horas de jazz saí correndo da aula e me dirigi à cafeteria do outro lado da rua. É a única por ali, não tinha como Liam errar.

Estou sentada em uma das mesas, com um copo de chá verde em minha frente. Meu pé esquerdo bate no chão ainda seguindo o ritmo da música que ouvi quinhentas vezes durante a aula. Uma mulher na mesa ao lado me olha irritada e eu me forço a parar.

Olho para o relógio preso na parede junto com o painel de bebidas. 11h05. Cadê a pontualidade britânica?

— Senhorita? — Acabo dando um pulo sentada ao ouvir aquela voz grossa.

Um homem do tamanho de um armário está parado em minha frente com a cara fechada. Eu não sou tão pequena, mas ele dá dois de mim facilmente.

— Sim? — Tento parecer tranquila então escondo minhas mãos trêmulas embaixo da mesa. Eu não sirvo pra essas coisas.

De Lua, com amorWhere stories live. Discover now