Prólogo

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Segunda-Feira, 20 de janeiro de 2011

A lua cheia transluzia sobre a cidade de Liverpool, na Inglaterra, enquanto em meio àquela madrugada, uma garotinha ruiva de treze anos andava sozinha por aquela rua vazia. Haviam dois dias em que ela não comia. Dois dias em que tinha deixado sua casa por conta de um trauma que passara...

Seus longos cabelos escorriam pelo grande sobretudo verde e sujo que a protegia um pouco daquele frio congelante. Sua calça jeans apresentava dois rasgos, mostrando um pouco de seus joelhos ralados. Um cachecol cinza de lã cobria seu pescoço e seu queixo ao mesmo tempo em que uma touca da mesma cor, porém com algumas listras vermelhas combinando com o pequeno pompom no topo, cobria um pouco de sua cabeça.

Estava cansada. Sua respiração ofegante fazia com que uma pequena névoa gélida saísse pela sua boca. As botas desgastadas faziam um “splash” toda vez que entravam em contato com as poças d'água espalhadas pelo chão, uma de cada vez. Tinha chovido bastante naquela noite, e ela, como não tinha um lugar para se proteger da chuva, havia ficado por baixo de uma lona pertencente à uma pequena feira de frutas não muito longe da onde estava agora. Quis pedir para que a vendedora lhe desse alguma fruta para matar a fome, mas além de sentir vergonha, a mulher não parecia ser muito simpática. Até mesmo fingira não notar que a garota estava ali.

Já não chovia mais. Se aproximando de um beco, a ruiva pôde ouvir uma música abafada tocando. Era “Boulevard of Broken Dreams” da banda Green Day, mas não estava tendo um show da banda por ali e tampouco parecia que haviam colocado a música para tocar em algum aparelho de som. A garota cuja já conhecia e admirava a música percebeu que a voz de quem estava cantando era bem diferente da de Billie Joe Armstrong, e assim concluiu que aquilo era um cover, provavelmente de uma banda ou de um cantor contratado para fazer um show no salão de festas presente atrás daquele beco. Ela caminhou e entrou naquela parte estreita cercada por duas paredes de tijolos apenas para conseguir ouvir mais próxima a música que, agora, estava bem mais alta, porém ainda abafada. Por sorte, ou não, estava sozinha. E encostando-se na parede, ela fechou seus olhos, se deixando levar pela melodia a qual ao mesmo tempo que lhe agradava, a fazia refletir um pouco sobre esses dois dias que passou sozinha, sem ninguém, acompanhada pela própria sombra...

...E sem falar que com isso, ela havia deixado todos os seus sonhos para trás. Seus planos para o futuro não passavam de meros desejos agora... desejos os quais talvez jamais iriam se realizar...

Deveria ter pensado nisso antes de fazer o que eu fiz... ela pensou, permitindo as lágrimas de escorrerem pelas suas bochechas pálidas, banhando-as.

Quando a música acabou e os aplausos foram ouvidos, a garota se permitiu desmoronar. Abaixou-se, deslizou-se contra a parede e, entre soluços, tentou limpar o próprio rosto com sua mão direita coberta pela luva de lã.

Chorava de dor;

De fome;

De medo;

Pela saudade e pelo arrependimento...

...

...

Poucos minutos depois, a pré-adolescente arfou ao se assustar com o barulho da porta metálica — que ela nem sequer tinha notado — se abrindo ao lado do latão de lixo o qual ela estava próxima. O som, que agora consistia em algumas pessoas conversando e gritando, deixou de ficar abafado, mas logo voltou quando a porta se fechou.

Ouviu passos e manteve-se abaixada, cobrindo a boca com a mão enquanto sentia como se seu coração estivesse na garganta. Logo, um homem de longos cabelos loiros à altura dos ombros andou em diagonal até a parede de tijolos à frente e acendeu um cigarro que se encontrava entre seus lábios. Ele se virou, fazendo seus olhos encontrarem-se com os da ruiva que, agora, estava tremendo de medo.

— Hey — disse o homem após dar uma tragada em seu fumo e tirá-lo da boca antes de andar até a garota agora encolhida. — Você está bem? Onde estão seus pais? — Ele se abaixou, encarando aquelas jóias azuis que transbordavam lágrimas. — Está tudo bem, calma, eu não vou machucar você. Só me diga... Por que está aqui? É um lugar perigoso para você, ainda mais a essa hora da madrugada. — e novamente tragou o cigarro.

— P-por favor, me deixe em paz... — gaguejou. Notou que o loiro não possuía o sotaque britânico da região, parecia mais ser de algum lugar dos Estados Unidos. E ouvindo sua voz... ela passou a perguntar a si mesma se era ele quem estava cantando.

Fitando os joelhos ralados dela por um momento, o americano tirou o fumo dos lábios mais uma vez e inalou um pouco de fumaça antes de virar a cabeça e soltá-la por cima do ombro. Logo voltou a olhar para a garota e começou a pensar em como poderia ajudá-la. Ele estava preocupado com ela, mas para tentar resolver isso, precisava fazê-la falar.

— Está machucada... — ao falar, era possível sentir o cheiro da fumaça do cigarro, o que incomodou um pouco a outra, mas ela tentou ignorar isso. Apenas fungou e desviou seu olhar para baixo. — Posso ajudá-la? É melhor limparmos isso antes que infeccione e... céus, você precisa mesmo de ajuda... — A ruiva manteve-se calada, assustada, e com seu corpo ainda trêmulo pelo medo. — Ei — Mesmo estando na metade, ele resolveu apagar seu fumo no concreto — Me desculpe, devo estar te assustando. Mas... falo sério, não precisa ter medo. Eu juro, não vou machucar você... A propósito... — Estendeu a mão para ela, estampando um sorriso ladino nos lábios — Eu sou James Blake. — Mas não obteve resposta. Apenas o mesmo olhar abalado que se alternara de sua mão para seus olhos e logo se desviara para o lado.

James realmente queria ajudá-la. Era um homem bom, embora fosse um tanto irresponsável. Também tinha um ponto fraco por órfãos, principalmente por jovens, não é a toa que sua filha adotiva fôra tirada das ruas quando ela era mais nova. História para outra hora...

— Então... pode me dizer o seu nome? Não precisa me contar o que aconteceu se não quiser, só deixe-me te ajudar, cuidar do seus ferimentos e... te dar algo para comer. Deve estar com fome, certo?

Era verdade. O estômago da garota gritava por comida, ela necessitava comer. Se perguntava onde havia encontrado energias para caminhar pela cidade por dois dias de estômago vazio...

Estava confusa. Não queria confiar naquele homem. O mundo é repleto de pessoas ruins, ela sabia muito bem disso. Não podia confiar em qualquer um, ainda mais em uma pessoa que nunca vira na vida, mas ao mesmo tempo, uma pequena parte de sua consciência dizia para confiar nele. Ela só não sabia se deveria ouvir essa parte...

O loiro olhou para baixo e após deixar um longo suspiro escapar, umedeceu os lábios por um momento antes de recolher sua mão coberta por uma luva de couro.

— Sabe... Eu não sei o que está passando, ou o que está sentindo... — voltou a olhar nos olhos ainda desviados da jovem. — Mas eu sinto muito por isso. Sei como o mundo é cruel e injusto e isso me dói bastante... É horrível não poder fazer nada para mudá-lo... — Estalou a língua no céu da boca. — Olha, o que estou querendo dizer, é que... Eu realmente quero te ajudar. Eu juro, eu não quero seu mal e nem o de ninguém. Então por favor, me deixe fazer algo por você. Quem sabe... —Tentou estampar o melhor sorriso nos lábios. — Te pagar uma pizza?

Silêncio.

A ruiva ainda estava na mesma: Fungando, com os braços cruzados entre a barriga e as pernas e com os olhos marejados, encarando o latão de lixo ao seu lado. Isso fez com que o homem bufasse em frustração. Ele abaixou a cabeça por um momento, mordeu o próprio lábio inferior e olhou na direção contrária a qual ela estava olhando.

— Samantha... — Se rendeu após alguns segundos e o encarou, mesmo que ainda estivesse insegura. James imediatamente voltou a olhá-la, sentindo uma pequena felicidade tomar conta de si. — Meu nome é Samantha.

Painful Secrets - 1ª Temporada[CONCLUÍDO]Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora