Capítulo 17 - Dez semanas

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Diante da confirmação, Caitriona teve que tomar algumas decisões. A primeira delas era que Sam não precisava saber, pelo menos não enquanto ela não tivesse certeza de que essa criança iria nascer. Ele não precisava sofrer com ela por mais um aborto.

A segunda decisão era a de que, se esse bebê tinha alguma chance de vingar, iria lutar por ele com todas as suas forças. Lutaria sozinha, em silêncio, mas lutaria. Por isso marcou uma consulta com a ginecologista/obstetra que frequentava desde que se mudara para a Escócia. Era uma médica discreta e muito conceituada e sabia que podia contar com ela na questão do sigilo.

A terceira decisão foi a de contar à sua mãe. Ela precisava de alguém, e esse alguém não poderia ser Sam. Sua mãe sabia de tudo. Do primeiro aborto, dos outros dois abortos naturais, então era nela que Caitriona iria confiar novamente. Pediu que ela viesse da Irlanda tão logo visualizou os tracinhos cor de rosa no teste. Esse não era um assunto a ser tratado por telefone, e além do mais, ela precisava de colo e carinho de mãe.

*

Anne chegaria apenas na próxima semana e a consulta com a médica não poderia esperar até lá. Nesse momento, tudo era urgente para Caitriona. Ela queria muito esse bebê, por ela e por Sam.

Chegou no consultório cheia de medos e incertezas: por conta dos abortos prévios e de sua idade – ela já tinha 38 anos, afinal – mas a médica segurou suas mãos com ternura, olhando-a no fundo de seus olhos, um sorriso de compreensão nos lábios e falou:

– Eu vou fazer tudo ao meu alcance para que essa criança nasça, está bem? – e isso lhe deu um pouquinho de paz de espírito.

Ela deitou-se na maca e puxou a camiseta para cima, revelando sua barriga plana enquanto a enfermeira preparava o equipamento. Sentiu o gel quentinho em sua pele antes que a médica se aproximasse, passando o ultrassom com movimentos lentos e cuidadosos. Depois de alguns minutos de minuciosa análise, ouviu um barulho lento, não muito alto, porém bem ritmado. A Dra Carina apressou-se em informar que eram os batimentos cardíacos de seu bebê. Ela sentiu uma lágrima escorrendo por sua face e fechou os olhos, em júbilo, apenas apreciando a primeira prova real de que havia uma vida dentro de si.

– Segundo minhas contas, você está de 5 semanas, Caitriona – Carina informou, ainda analisando os contorno amorfos que apareciam no monitor – É bem cedo ainda, então vamos virar você do avesso para saber exatamente com o que estamos lidando.

– Muito obrigada – Cait sorriu, ainda com os olhos fechados, as lágrimas molhando sua face.

– Sabe que pode não ter nada errado com você, certo? Dois abortos naturais ainda nas primeiras semanas é algo completamente normal, além do mais, pode não ter nada a ver com o primeiro...

– Eu sei – ela afagou a barriga, assim que a médica limpou o gel com um papel toalha – Mas eu sinto que tem. Eu sei que tem algo errado.

– Por isso que vamos investigar, está bem? – a médica tocou sua mão novamente. Ela sentia como se já fossem muito íntimas, muito próximas. Confessar sobre seus abortos, todos eles, era algo muito difícil pra ela, mas era necessário falar para que a Dra conhecesse o quadro completo e pudesse realmente ajudá-la.

Saiu do consultório com um maço de pedidos de exames dos mais variados, e pretendia fazer todos eles o mais rápido possível, mas tinha que considerar sua agenda de gravações, promoção, entrevistas, photoshoots... Teria que conciliar da melhor forma possível.

Agradecia a si mesma pelo timing, pois nesse finalzinho das gravações, não teria mais nenhuma cavalgada agendada, e nem qualquer cena que pudesse gerar estresse ao bebê. E isso era uma benção.

*

– Onde foi hoje, querida? – Sam perguntou, beijando-a calorosamente ao chegar em casa. Ela estava deitada no sofá, vestindo apenas uma camiseta branca de Sam e calcinha.

– Fui no médico – resolveu contar a verdade, ou o máximo da verdade – Consulta de rotina, check-up anual, essas coisas.

Ele levantou as sobrancelhas, em questionamento. Ela ainda estava enjoando muito, todos os dias pela manhã, mas estava conseguindo esconder dele.

– Tem certeza que está tudo bem? – ele perguntou, sentando-se ao seu lado. Ela sentiu cheiro de banho tomado e percebeu que os cabelos dele estavam molhados, concluindo que ele tinha vindo direto da academia.

– Está sim. Só rotina mesmo – ergueu o braço dele, aconchegando sua cabeça em seu peitoral duro – Mamãe chega amanhã.

– O quê? Porquê? – ele perguntou, confuso.

– Ela disse que estava com saudades de mim – mentiu – Daí resolveu vir passar uns dias.

– Eddie vai adorar a visita – Sam sorriu, puxando a gata para seu colo, os três aninhados no sofá.

Os quatro, pensou Cait, sentindo aquela pequena presença dentro de si.

*

Depois da chegada de sua mãe, os dias pareciam correr. Cait passava metade do dia gravando e a outra metade em hospitais e clínicas, realizando a bateria de exames. Nunca tinha sido tão furada ou examinada em sua vida, mas era pelo bem do bebê e por isso cada agulhada valia a pena.

A correntinha que Sam havia lhe dado aquele dia nas montanhas era sua companheira constante e lhe dava forças, como se Sam estivesse junto dela. Sua mãe era sua cúmplice, e por mais que não gostasse de mentir, concordou em poupar Sam, ao menos por enquanto.

Duas semanas depois, grande parte dos exames estavam prontos, e voltou a médica. A Dra Carina a esperava, um sorriso grande no rosto, quando chegou com sua mãe.

– Como está se sentindo? – Carina perguntou, logo que se sentaram no consultório.

– Sigo enjoando, mas o remédio ajuda a não vomitar pelo menos – na última consulta ela tinha receitado um medicamento que ajudava a controlar os enjoos, e tinha sido essencial para evitar a desconfiança de Sam – Fora isso, nada.

– Pois eu trago ótimas notícias – ela pegou o maço de papel de dentro de uma gaveta e colocou sobre a mesa. Eram os exames de Caitriona – Depois de revisar tudo isso aqui, só posso dizer que não tem absolutamente nada errado com você. Seu útero está ótimo, e prontíssimo pra gerar esse bebê aí. No geral, você é muito saudável e idade hoje não conta muito, viu?

– Mas eu continuo sentindo que tem algo errado. Eu sinto aqui, no meu peito – ela botou a mão sobre o coração, a outra na barriga. Já era tão natural pra ela tocar a barriga, que quando estava junto com Sam tinha que ficar se monitorando para não fazer o movimento.

– Eu sei, vamos ficar de olho, Caitriona – Carina falou, oferecendo um sorriso esperançoso – Mas tenha fé, vai ficar tudo bem. Além do mais, você tem absolutamente todos os meus contatos, pode me ligar a qualquer hora do dia ou da noite e você mora a apenas dois minutos do hospital. Nada de ruim vai acontecer a vocês, está bem?

Apesar das boas noticias, aquele sentimento de perda iminente não a abandonou. Nenhuma de suas outras gestações haviam passado as doze semanas, e nesse frenesi todo de médicos e exames, ela já estava completando dez semanas. Apenas mais duas. Em apenas duas semanas sairia do período de risco, poderia contar a Sam e talvez voltar a respirar com tranquilidade.  

Kiss meWhere stories live. Discover now