Capítulo 21 - Patagônia

1.1K 76 70
                                    

Era o segundo hospital em que botava os pés nas últimas 72 horas. A primeira vez fora como paciente, após seu resgate das montanhas na Patagônia. Tinham lhe obrigado a ir para um hospital, por mais que ele insistisse que estava tudo bem. No fim das contas, o única consequência de seus três dias na neve era uma leve desidratação que fora tratada com um litro de soro e já estava pronto pra voltar para casa.

O voo de volta havia sido insuportavelmente cansativo, e por mais que tivesse tentado dormir, ele ansiava por sua cama e pelo calor de Caitriona para o aquecer. Foram quase 30 horas de viagem, 3 escalas e quando finalmente chegou em Glasgow, mandou uma mensagem para ela, esperando encontrá-la no aeroporto, mas ela sequer o respondeu. Por fim, decidiu tomar um uber para casa, onde ela provavelmente estaria o esperando.

Olhando friamente, agora que estava a caminho de casa, a experiência não passara de uma grande aventura, onde pudera colocar em prática tudo que havia lido e estudado sobre sobrevivência na neve. Mas se pensasse um pouco mais profundamente, talvez concluísse que seria melhor evitar montanhas congeladas por um tempo.

Estavam voltando para o pé da montanha e pernoitariam na vila antes de voltar para a civilização de verdade. Fora tudo muito rápido: num momento estava andando ao lado dos colegas, rindo e fazendo piada e no outro sentiu como se uma onda tivesse o atingido. Depois disso, acordou com a cara colada na neve, o nariz ardendo pelo frio. Fez um pequeno inventário mental, analisando se estava ferido de alguma forma. Abriu e fechou as mãos, movimentou os pés, esticou as pernas, virou o pescoço. Parecia tudo em ordem. Então levantou-se, sozinho no meio de toda aquela brancura.

O vento o atingiu com força, como se tentasse jogá-lo de volta no chão. A visibilidade era quase zero, percebeu, concluindo que estava no meio de uma forte nevasca. Não adiantava querer sair dali, provavelmente se embrenharia ainda mais no meio da neve.

Repassou mentalmente as quatro principais técnicas de sobrevivência na neve: Número um: avaliar as provisões.

Sua mochila tinha se perdido na avalanche que o separara do grupo, então tinha muito pouco consigo. Duas pequenas garrafas térmicas que havia dado o jeito de enfiar nos bolsos, uma contendo água, a outra contendo whisky. Pelo menos se manteria aquecido, pensou. Nada de comida. Nenhuma forma de comunicação além do sinalizador que estava no bolso da calça. Apenas um tiro, e uma pequena lanterna que havia enganchado no cós da calça.

Número dois: controlar a temperatura corporal.

Ao contrário do que mostram nos filmes, enquanto se está na neve deve-se evitar o suor a todo custo. Por isso, enquanto caminhava ia abrindo e fechando o casaco conforme sua temperatura corporal subia, pois o suor congelaria em sua pele e apenas pioraria a situação.

Número três: avaliar o risco de avalanche.

Cavou um buraco de cerca de 50 cm no chão e analisou a neve. Podia perceber as diferentes camadas ali. Cada uma equivalia a uma nevasca, as camadas mais finas de nevascas mais fracas e camadas mais grossas, de nevascas mais agressivas. Se a camada de cima fosse muito grossa, era bem provável que naquele local pudesse ocorrer uma avalanche, que nada mais é do que uma dessas camadas se desprendendo das outras. Por sorte, a camada mais superior era fina. Ali era um bom local para construir um abrigo, o que levava ao próximo passo....

Número quatro: construir um abrigo.

Depois de avaliar o terreno e ter certeza de que era seguro, deu uma olhada em volta até achar um galho bem comprido. Enfiou na neve. Estava firme, perfeita para um abrigo. De novo, ao contrário do que mostram nos filmes, o melhor lugar para se abrigar da neve é dentro dela. Cavou com cuidado, usando as próprias mãos enluvadas, um pequeno buraco na neve, suficiente para que conseguisse passar abaixado. No fim do buraco construiu uma espécie de iglu, tendo como teto a neve sobre sua cabeça. O abrigo seria perfeito para lhe privar do vento gélido da nevasca que assolava a montanha e também poderia segurar algumas avalanches de pequeno porte até que fosse seguro sair dali.

Kiss meOnde as histórias ganham vida. Descobre agora