Capítulo 37 - Francês

966 56 39
                                    

Ele sempre fora charmoso, atencioso de formas que qualquer um que olhasse de longe diria que ele era completamente apaixonado por ela. Toda vez que saíam, ele abria a porta do carro, oferecia o braço e um sorriso de tirar o fôlego enquanto andava ao seu lado. Nas festas, sempre regadas a muita bebida, ele a apresentava aos amigos como sua namorada. Mas o que ninguém sabia era que ela preferia estar morta a estar com ele, que ela pensou em suicídio dezenas de vezes antes de encontrar conforto em sua amiga Hannah. Com ela, nunca fora público, assim como com tantas outras que ele levava para seu quarto no meio da noite. E elas iam, sempre iam, não tinham coragem de dizer não, afinal, com um estalar de dedos, ele poderia acabar com seus sonhos, planos, carreiras. Por isso elas iam, por isso Caitriona foi tantas vezes. Por isso ela aceitava aquela farsa que ele chamava de namoro.

Mesmo depois de tantos anos, mesmo depois de tanta coisa ter mudado em sua vida, tantas conquistas, aquele instante em que seus olhares se cruzaram, fez com que seus ossos congelassem.

— Senhora? — um dos recepcionistas do hotel estava abaixado ao seu lado, juntando os cacos de vidro, enquanto uma outra funcionária já se aproximava com um esfregão. Ela desviou o olhar de Piérre, percebendo que tinha prendido a respiração por todo aquele tempo — Está tudo bem, senhora? — o recepcionista falou, e ela notou que ele já parecia ter perguntado várias vezes.

— Ah, sim. Me perdoe — Caitriona forçou-se a falar, sem nenhum um fio de emoção na voz. Aliás, ela nem sabia como estava conseguindo fazer as palavras saírem por sua boca, uma vez que um enorme nó tinha se formado em sua garganta. Inspirou profundamente, enchendo os pulmões de oxigênio — Eu estou um desastre, peço desculpas — e então colocou um sorriso amarelo no rosto.

— A senhora quer que eu chame seu marido? — o recepcionista parecia preocupado. Ela deu uma olhada em si mesma: estava bastante molhada, mas não tinha sido atingida por nenhum caco de vidro.

— Não, está tudo bem, obrigada — ouviu a si mesma falando, enquanto evitava olhar para a direção de Pierre.

Depois de se desculpar mais uma vez, saiu do lobby, e subiu a escadaria antiga, o dedo indicador encostando na pedra fria enquanto subia os degraus lentamente, sentido-se como uma peça solta no mundo, como se estivesse fora de órbita, e como se aquele toque, somente aquele toque da pedra na ponta de seu dedo a mantivesse atrelada à terra.

Chegou no quarto e trancou a porta, dando duas voltas na chave enferrujada. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas, mas segurou enquanto retirava as camadas de roupas de frio de forma mecânica, soltando-as no chão e seguiu para o banheiro. Libertou a torrente de lágrimas somente quando a água quente começou a escorrer por seu corpo, descongelando lentamente seus ossos, lavando o terror que sentira. Segurou a barriga, esperando algum movimento, algum sinal. Nessa fase, o bebê se mexia cada vez menos, mas naquele momento ela implorou por um chute, uma cotovelada, o que quer que fosse. Demorou um tempo, mas sentiu o preguiçoso mexer do bebê dentro de si. Aquilo lhe deu a força que precisava.

*

Ela terminava de vestir uma meia-calça grossa quando ouviu a maçaneta sendo forçada, seguida por três batidas leves na madeira grossa da porta. Parou de respirar por um instante.

— Cait? Abra a porta, querida. — Sam. Era Sam quem batia.

Levantou-se, tratando de colocar um sorriso amarelo em sua face enquanto ia até a porta. Sam parecia preocupado, e ainda mais alarmado quando a viu.

— Está tudo bem? — ele perguntou, puxando-a para seus braços. Ele queria tocá-la para se certificar de que estava bem. Ela se perguntou se ele teria se encontrado com Pierre em algum momento — Você está branca feito papel, meu amor — Ele tocou sua testa com as costas da mão, num reflexo.

Kiss meOnde as histórias ganham vida. Descobre agora