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Uma enfermeira passou correndo com uma bandeja cheia de bisturis, curativos, algodão e algumas outras coisas que Sophie não conseguiu identificar. Estava sentada naquele corredor a mais de duas horas, já era a terceira noite que passaria ali aguardando agoniada por alguma mudança.

Suas mãos arrancavam pequenos pedaços do estofado da cadeira, para passar o tempo prestava atenção em cada um que passava por ali, isso a distraia, às vezes de forma positiva como um pai chorando ao comemorar o nascimento do primeiro filho, e às vezes de forma negativa quando uma jovem esposa já não tinha mais lágrimas para lamentar a morte do amor de sua vida.

Em ambas as formas Sophie sentia inveja das pessoas que passavam, eram tristezas e alegrias normais, nada de um menino em estado de choque por ter visto a própria irmã matar o Duque do inferno, ou um adolescente tendo que passar por uma cirurgia na perna após pular em um demônio para salvar a amiga.

Sua mãe insistia que ela dormisse na casa de Vic, mas não cogitava essa hipótese, considerava que se sua família estava passando por isso era sua culpa e tinha que estar junto com eles. Só não ficava o dia inteiro no hospital porque precisava ir à escola, e detestava isso.

O clima em Sant'Angelin estava sombrio, no dia seguinte ao ataque de Flauros a diretora fez uma homenagem fúnebre a Srª Dolores, foi enviado aos alunos um comunicado para que todos fossem vestidos de preto. Clarisse fez um longo discurso que Sophie considerou ridículo, cada palavra era falsa e sem um pingo de sentimento, "Sant'Angelin ficará eternamente em luto, Senhora Dolores nos prestou seus serviços por um longo tempo, marcando a vida de vários alunos, infelizmente nos deixou devido a um câncer da garganta."

Sophie precisou colocar as mãos no rosto, fingindo um choro quando, na verdade, estava em uma crise de riso. Não conhecia Dolores e não sentia a morte dela, mas à noite, ao contar para Luke quando o visitou no hospital ela sentiu a dor do amigo, por muito tempo a bibliotecária foi a única amiga dele na escola.

Uma mulher rechonchuda e de baixa estatura vinha andando apoiada em uma loira de jaleco que sorria animada. Sophie afastou seus pensamentos para prestar atenção nas duas e conhecer um pouco da história delas.

— Ah! Doutora Greylin, a senhora é a melhor cirurgiã pediatra do mundo. — A mulher rechonchuda falou enxugando as lágrimas. — Amanhã lhe trarei uma formada inteira de biscoitos de chocolate.

— Agradeço o elogio Amélia, mas da última vez tivemos alguns médicos impossibilitados de trabalhar graças a seus biscoitos. — Greylin deu uma breve gargalhada.

— Ai Deus. — Amélia ficou vermelha. — Esse engano não será cometido novamente.

— Estou brincando Amy, desta vez comerei em casa, segredo nosso. — A doutora fez sinal de silêncio.

— A doutora sempre brincando. Mas me diga, e aquele menino que está no quarto com meu Joseph?

— Nada bem. — Greylin suspirou. — Não conseguimos saber o motivo dele não acordar, não há nada de errado.

— Uma pena, os pais estão devastados.

Sophie tremia enquanto apertava a lateral da cadeira tão forte que entortou o metal, voltam as lágrimas. Sabia exatamente de quem estavam falando, era de sua própria história, do irmão em coma sem nenhum motivo, da maior dor que já sentiu em toda sua vida.

Queria correr até o quarto dele, abraçar o irmão, pedir que voltasse para implicar com ela, que entrasse no seu quarto pela manhã antes de o despertador tocar. Entretanto, estava proibida, doeu ouvir seus pais pedirem com toda cautela que ela não entrasse no quarto, pois, poderia agravar o quadro. Isso aumentou seu remorso. Encolheu as pernas, abraçou os joelhos e afundou a cabeça entre eles para que ninguém visse sua dor.

Marcas em Sangue   [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora