Capítulo 6 - Sentimentos (parte 4)

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Estefan descia as escadas que davam acesso ao porão de cabeça baixa, cansado, tinha a impressão de estar carregando um mundo, já não sabia mais o que era certo, mas já não tinha como voltar atrás. Soube do ocorrido no auditório, Sophie estava cada vez mais consciente de seus poderes, e estava gostando disso, contar toda a verdade seria destrutivo, precisavam dela.

Acendeu a luz e sentou no banco em frente a jaula onde Hunter permanecia preso, seria muito mais fácil se tivesse ele ao seu lado, mas o garoto era cabeça dura, tinha certeza que se ele também conhecesse toda a verdade seria ainda mais difícil o ter como aliado.

— Sua cara está péssima. — Hunter zombou. — Parece até que você que está sendo mantido enjaulado.

— Eu preciso da sua ajuda. — O caído admitiu. — Sei que você se interessou por ela e veio até aqui por isso.

— Eu vim até aqui por que precisava descobrir o que aconteceu com Raziel. — As correntes balançaram enquanto o enjaulado se jogava para frente irritado. — Meu interesse pela garota foi um engano.

— Não foi engano, você viu Raziel nela e realmente são parecidas.

— Não lembro da Raz com garras, olhos negros. — Hunter tinha a voz carregada de amargura e um certo deboche. — Tem como comparar alguém que ficou de luto por anos após a guerra, com quem sente prazer em queimar um homem, ou fala de como arrancou as asas de uma caída com a maior naturalidade?

— Helena era seca quando eu mandei que ela e August cuidassem da garota, ela engravidou logo após isso. — Estefan olhava sem foco, perdido em memórias. — Eu lembro como as pessoas se encantavam com Raziel, acontece o mesmo com Sophie, ainda que a temam. E ela salvou o irmão de ser arrastado para o inferno.

— Que seja, ela ainda tem muito mais daquele maldito.

— Eu sei que você quer o bem da garota, então me ajude. — O caído implorava.

— Eu te ajudarei contando a ela a verdade, pelo menos a parte que eu conheço.

— Você é impossível. — O banco em que estava foi parar na parede. — Será que não consegue entender o que está em jogo? — gritou impaciente.

— Você é que não consegue, quanto mais poderosa ela se descobre, mais perigoso fica. Não se ganha a confiança de alguém a base de mentiras.

Estefan suspirou, sabia que no fundo ele tinha razão, mas já havia chegado longe demais, precisava de um pouco mais de tempo, precisava entender o que Ele queria, e precisava descobrir como salvar quem amava.

Desligou a luz e deixou o local, ainda não era o momento de libertar Hunter. Tinha agora outro compromisso. Ele saiu da cabana ignorando os gritos de raiva de seu prisioneiro e então dirigiu até o local marcado, seria muito mais fácil se pudesse usar suas asas, mas essa era sua realidade agora.

Chegou pontualmente, mas alguns já estavam esperando, cumprimentou a todos, inclusive Hauren que apenas acenou à distância, depois da suspeita de Sophie sobre ser filha deles, todos estavam desconfiados do caso que mantinham, claro que descobririam logo de qualquer maneira, mas por enquanto precisavam tentar manter o segredo.

— Ela precisa aprender sobre pontualidade. — Clarice reclamou impaciente.

Estavam reunidos no porão de Sant'Angelin, que ficava sob a pista de esgrima. O lugar era uma espécie de arsenal, com várias armas dispostas pela parede que era repleta de escritas antigas, a verdade é que a escola já havia sido uma igreja antiga que foi construída pois os mundanos acreditaram que era solo sagrado. Porém o ponto era uma ligação entre céu, terra e inferno. Os caídos se conectavam para falarem com seus mestres ou receberem armas. Por esse motivo, foi o local escolhido para construir a escola que servia de fachada enquanto os filhos eram treinados.

Victória chegou ao local logo depois da reclamação da diretora. A garota sorriu para a mulher de forma debochada, indicando que havia ouvido, isso fez com que Clarice revirasse os olhos, todos sabiam o quanto ela não dava valor aos filhos de caídos.

— Nossa, estão todos aqui mesmo. — A recém-chegada disse descontraída.

Além de Hauren, Estefan e Clarice. Se encontravam também ali todos os caídos que tinham filhos em Sant'Angelin e também August e Helena.

— Nos conte logo o que sabe, não temos o dia todo. — Estefan pediu de maneira firme, porém amigável.

— Ela já descobriu que estávamos vigiando seus passos. — A maioria se sobressaltou com a revelação, apenas a diretora permaneceu indecifrável. — Cristian e Scarlet estão completamente ao lado dela agora, por isso não podem saber que eu continuo fornecendo informações.

— Como assim ao lado dela? Ela continua considerando vocês como amigos?

—Eu já ia chegar nessa parte, caramba mãe, me deixa falar. — O professor de história fez sinal para ela continuar. — Eles gostam dela de verdade, bem, eu também, mas eu ainda acho que ela é perigosa e precisa de ajuda, eles não mais. Sophie não confia mais em nós, em nenhum de nós, porém ela acredita que estamos ao seu lado. Eu aproveitei algumas problemáticas adolescentes para me reaproximar dela, funcionou. — Ela fez um gesto como se comemorasse a vitória. Ela meio que tá saindo com o Luke.

— Isso não é novidade Victória, eles se tornaram amigos assim que chegamos nesta cidade.

— Você não está entendendo, August. Eles estão saindo tipo namorados. — O pai adotivo de Sophie fechou a cara. — Me poupe, a garota é cheia de problemas no andar de baixo e de cima e tu vai encrencar com uma paixonite por mundado.

— É claro que isso é um problema, Senhorita Victória. — A diretora disse dando alguns passos em direção a garota. — Essa paixonite pode dificultar a concentração dela no que é importante, além do que, conhecemos as regras sobre envolvimento com mundanos, e a punição é a morte.

— Tentem dizer a ela o que fazer então, eu já estou me arriscando demais.

— E o que mais ela descobriu sobre sua própria história? — Quem perguntou foi Helena, que estava triste ao lado do marido.

— Isso eu já não sei, acredito que ficarei de fora das descobertas importantes. Mas sério, vocês poderiam me contar a história toda.

— Você não precisa dessas informações no momento.

— Que seja, não se esqueçam que ela não pode saber que eu passei essas informações, então continuem fingindo que ela não sabe de nada.

A garota deixou o local se dirigindo até o campo da escola para só então deixar que suas asas se manifestassem a fazendo sumir por entre as nuvens.

No porão, os ânimos estavam exaltados, os pais adotivos de Sophie insistiam que já havia passado da hora de contar a verdade para a garota, a diretora partilhava da mesma opinião alegando que se ela escolhesse o lado errado, seria mais fácil detê-la agora do que quando estivesse na plenitude de suas habilidades.

— Ela precisa confiar em nós. — Estefan insistia.

— Pois você só está conseguindo que ela desconfie cada vez mais, eu sofro só de pensar o que vai ser quando ela descobrir que não a adotamos e sim fomos forçados a cuidar dela.

— Minha menina nunca vai me perdoar. — Helena tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.

Estefan ia começar a falar quando uma forte luz rompeu o lugar forçando todos a fecharem os olhos,  Hauren, assim como todos os caídos ali que haviam escolhido a Lúcifer, sentia pele queimar.

— Vocês perderam o direito de enxergar um ser celestial em sua plenitude. Alguns aqui não mereciam nem mesmo estar em minha presença. — A voz ecoava por todo o local como se estivesse saindo de vários pontos. — Estou aqui a mando d'Ele, vim avisar que um inimigo está a espreita esperando o momento certo de atacar, e a garota corre perigo.

Da mesma forma que surgiu, a luz desapareceu e depois de um tempo os que estavam no lugar foram conseguindo abrir os olhos. As lágrimas de Helena continuavam rolando em seu rosto, mas apenas quando uma caiu sobre o vestido bege, ela percebeu que se tratava de sangue. Estar na presença de um anjo fazia com que a impureza herdada por Lilith tentasse deixar seu corpo.

Marcas em Sangue   [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora