26- CENERE (Cinzas)

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Escuto o choro de bebê se espalhar pela casa. Meu olhos ainda estão tendo dificuldade para abrir totalmente. Meu corpo dói como se tivesse sido atropelado por um caminhão. Minha pele sente o chão frio embaixo de mim. Quanto tempo será que eu fiquei desmaiada? Dio mio! Graziela continua se esgoelando. Minha pequena deve estar com fome. Forço- me a levantar, mas só obtenho um fracasso.

- Vamos Lucrézia, você consegue! - Disse mentalmente.

Me arrastei até ficar ao lado de um sofá marrom e com muito esforço consegui me erguer. Já de pé, me apoio em tudo que vejo para não cair. Minhas pernas estavam doloridas e quase não faziam sua função, andar. Continuo andando, mesmo aos trancos e barrancos, passo pelos corredores me escorando nas paredes e depois de quase cair inúmeras vezes, finalmente chego ao quarto de Graziela. A pego no colo e lhe dou uma mamadeira que já tinha deixado preparada. Logo o choramingo cessa, após aninhá-la, a coloco no berço.

Com um pouco mais de força nas pernas. Alcanço o banheiro e ao ver meu reflexo no espelho, me assombro com o que vejo. Meu rosto completamente inchado e ferido, o corpo coberto por sangue. Sangue seco e craquelando sobre a boca e nariz. Os olhos tão vermelhos que fica praticamente impossível visualizar o verde das minhas írises. A sobrancelha esquerda cortada, no mesmo lado que Saveiro acertou o soco e provavelmente o anel dele cortou o local. Cazzo! Me limpei do melhor jeito que consegui, haja visto que toda vez que a água batia nos machucados era uma tortura.

Será que o corpo de Mamma ainda estava na sala? Puta merda! Se pudesse, eu correria lá pra baixo, fui me arrastando mesmo e ainda levei Graziela no colo. Não me pergunte como não caí, pois não sei a resposta. Acho que dona Poliana, seja lá onde estiver, olhou por nós.

Descer a longa escada foi uma tormenta, cada degrau parecia me levar para mais fundo, para o terrível poço escuro e com ar escasso, que roubava a minha existência e alegria desde o dia que Nonno morreu. Eu me afundava cada vez mais em dor, amargura, infelicidade e ódio.

E como eu imaginava ela ainda estava lá, sozinha.

Minha mãe sempre foi uma pessoa maravilhosa, não merecia todo esse descaso. O caixão aberto na imensa sala sem sequer uma pessoa para olhar por ela. Senti meus olhos arderem e logo em seguida as lágrimas caíram. Vê-la naquele estado, era muito pior do que a dor física. Nem senti os ferimentos, só sentia meu peito apertar e minha garganta dá um nó, engolir se tornou intragável.

Puxei uma cadeira e sentei do lado do caixão com Grazi no colo. Por um momento resolvi me entregar ao sofrimento. Me permitir sentir a tristeza. As lágrimas começaram a cair descontroladamente, em seguida vieram os soluços. Nem sabia se era humanamente possível chorar tanto. No entanto, por incrível que pareça permitir que tudo saísse, deixou meu peito um pouco mais leve, apesar de ainda aparentar que arrancaram meu coração fora e o trituraram. Era assim que estava a minha alma, em pedacinhos.

Nem quando Nonno morreu eu senti tanta vontade de morrer como hoje, uma parte de mim estava disposta a cortar os pulsos e finalmente acabar com esse sentimento que me destruía por dentro, mas outra olhava aquele ser minúsculo no meu colo e não conseguia deixá-la sozinha. Eu viveria, viveria para cuidar dela e para me vingar de todos que machucaram minha família e isso inclui meu próprio pai. Eu juro que um dia vou fazê-lo sofrer tanto quanto ele fez a minha mãe sofrer.

Mamma estava tão bonita quanto em vida, as belas maçãs do rosto moldavam sua face, a boca larga e bem desenhada não demonstrava expressão, suas pálpebras estavam descansadas. Ela parecia estar em paz, no fundo queria acreditar nisso. Que ela finalmente descansaria.

Os funcionários da funerária chegaram para levá-la, não ia permitir que a enterrassem. Mamma queria ser cremada. Implorei para Saveiro, porém, só para variar, ele me ignorou.

Vendetta di Lucrézia (Vingança de Lucrézia)Where stories live. Discover now