38- SOFFOCATO (Sufocada)

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Admirava a imagem no espelho. O terninho vinho combinava com o body de renda preto quase transparente, que usava por baixo. Se me dissessem que um dia me vestiria assim, não acreditaria, contudo aqui estou eu. Podia enxergar a elegância e sensualidade sob medida que os novos trajes me proporcionam. Meus olhos brilharam, pois observavam uma Lucrézia poderosa e imponente, diferente da menina que se escondia embaixo de trapos velhos, roupas largas e sem personalidade, sem a minha personalidade.

Não que houvesse problema com as roupas largas, mas não tem nada mais incrível do que encarar o próprio reflexo e gostar do que vê. Não fazia questão de conter o sorriso, eu adorei essa nova versão. Afinal, já passou da hora de deixar os outros ditarem o que visto. Os olhares sebosos continuam vindo e me incomodando, porém acho que agora consigo enfrentá-los.

Pouco a pouco estou redescobrindo a minha vaidade, aprendendo que meu corpo é meu. Portanto, eu que mando nele e decido o que usar. Grande parte disso devo à influência de Lucera; tirando o jeito esnobe dela, é possível analisar a mulher forte que existe por trás das marcas caríssimas.

Passei os últimos anos fugindo de mim, me anulando, tentando evitar, sempre me sentindo culpada pelo que aconteceu. Hoje, poder olhar diretamente no espelho e não chorar é maravilhoso, impagável, esplêndido.

Antes só via uma casca, um objeto para o desejo alheio. A cor do pecado, já ouvi dizerem. "As mulheres negras são mais quentes na cama" e mais absurdos que nem quero comentar. Ser mulher é difícil, ser uma mulher preta em um mundo que hipersexualiza você é pior ainda.

Tinha que admitir, Piero também tem sua parcela na mudança no status da minha autoestima. Ninguém, durante toda a minha vida, me olhou como ele olha. É claro que existia desejo encravado naqueles olhos belos e sofridos, entretanto tem algo ali que não identifiquei e que simultaneamente me assusta e excita. Uma loucura sem fim! Só pode ser isso, estou ficando louca.

A notificação que aparece na tela do celular me fez sair dos meus pensamentos e voltar para a realidade. As coisas na joalheria vão bem. Logo, logo será a reabertura. Quanto a parte ilícita dos negócios, procurava um bom químico e um fornecedor de primeira, sem levantar suspeitas, nem chamar atenção indesejada. Meu rosto deveria permanecer anônimo por enquanto. Quero ver meus inimigos sucumbirem à desgraça sem saber de que lado veio, ou quem os atingiu, e depois, quando eles estiverem na lama, ou melhor, se afogando no próprio sangue, revelarei o rosto por trás da derrocada deles.

Verifiquei as mensagens recentes, os velhos associados que contatei ainda não responderam. Enquanto vou na direção do quarto, o aparelho nas minhas mãos toca, o número desconhecido surge e tenho receio em atender, mas ignoro a sensação e atendo. A chamada de vídeo se inicia e o rosto que aparece do outro lado, automaticamente deixa os meus olhos marejados.

Não achei que fosse ouvir aquela voz tão depressa, era perigoso demais. O meu coração estava na boca antes mesmo da pessoa na linha falar. Cazzo! Tentei disfarçar o sobressalto e buscava forças para escutá-la.

- Lucrézia, por dio! Você está bem? - A preocupação ficou evidente na sua fala.

- Sim, minha bambina, só não esperava essa ligação. - Os olhinhos que Graziela estavam curiosos, eles queriam que eu continuasse me explicando. - E você? Não temos muito tempo, piccola, podem estar te rastreando.

- Me responda direito então. - A pequena inquisidora sabia ser teimosa quando era preciso. Não faço ideia de onde ela puxou isso.

- Não tem com o que se preocupar. Estou arrumando as coisas para te trazer de volta para casa, em segurança e o mais rápido possível.

- Estou muito bem. Aqui é incrível, diferente da Itália. Eu posso ir à escola sem medo. Fiz novas amigas e elas podem vir me visitar, isso não é sensacional?

Vendetta di Lucrézia (Vingança de Lucrézia)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora