40.

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Não foi daquela maneira que eu planejei conhecer Samantha. Em minha cabeça, eu iria até ela com toda as minhas falas planejadas. Seria aquela que lhe traria a verdade, mesmo que a modelo, a princípio, não acreditasse em mim.

Eu imaginei tudo. Iria até o hotel onde a filha de Slender estava hospedada e contaria a verdade sobre ele. As atrocidades que ele cometera, a morte forjada de Sônia. E quando a garota duvidasse, eu lhe mostraria o colar: "Vá até o asilo e veja você mesma".

Não era daquele jeito – eu perdendo a capacidade da fala enquanto Samantha me encarava – que eu imaginei. Ela estava ali, parada, esperando por uma resposta, seu cabelo bagunçado daquele jeito arrumado que as modelos usam, com uma maquiagem pesada e roupas de grife.

– Qual o problema, Sam? – a amiga dela perguntou, sem entender o que se passava.

– É essa garota que tem que nos dizer – Samantha apontou com o queixo para mim. Seus olhos se focaram especialmente no meu rosto agora pálido. – Espera, eu te conheço?

Talvez o inchaço na minha bochecha direita, mesmo que atenuado pelos remédios que o médico passou, tenha me deixado um pouco irreconhecível. As marcas roxo-azuladas no meu pescoço eram impossíveis de se esconder com remédios, então eu tive de passar maquiagem.

Eu ainda não tinha conseguido falar uma palavra sequer. E provavelmente não iria conseguir. Mesmo que quisesse dar uma explicação à Samantha, seria impossível naquela noite, no meio de uma exposição de arte. Eu tinha muito a dizer.

Relutante com a ideia de deixá-la ali, confusa e sem respostas, dei as costas às modelos e corri de volta para as escadas, pegando o meu celular e digitando uma mensagem rápida para Scarlett: Houve um imprevisto, encontro vocês em casa!

– Espera, não pode sair assim! – protestou Samantha enquanto corria ao meu encalço.

O meu salto era menor que o dela, o que me deu uma vantagem para correr mais rápido. Enquanto ela ainda descia as escadas, eu já estava atingindo a porta da galeria. – Não vá! Ei, espera!

Ofegante, cheguei à calçada e parei por alguns segundos para respirar. A rua estava agitada, outras galerias também davam festas e promoviam exposições naquela noite. Olhei de um lado para o outro, desesperada. Vislumbrei um táxi parando do outro lado da rua e deixando um casal descer. Corri até ele e assim que o vi livre pulei para dentro.

Devido ao meu recente trauma com táxis, precisei me inclinar para frente e olhar bem para o rosto do motorista. Queria ter certeza que não se tratava de alguém que eu tinha incendiado ou ofendido recentemente. Era só um senhor de idade, que se assustou com a minha aproximação repentina.

– Posso ajudá-la, senhorita? – ele balbuciou sob o meu olhar crítico e desconfiado.

– Ei, eu preciso falar com você! – Samantha estava atravessando a rua e vindo na minha direção. – Não vá embora!

– Sim, você pode – eu disse ao taxista.  – Preciso sair daqui agora!

Atendendo ao meu pedido, o homem arrastou o carro e acelerou pela rua, só parando no sinal vermelho, muitas quadras à frente. Atirei-me no banco e respirei fundo, o coração batendo pesado.

– Nós temos um destino, senhorita?

Eu fiz que sim com a cabeça e disse a ele o meu endereço, que era ali mesmo no Chelsea. Enquanto o táxi fazia o retorno, eu me encolhi no banco, sentindo-me culpada por ter não ficado e explicado tudo à Samantha.

O problema é eu não estava preparada, não podíamos fazer aquilo ali, não seria apropriado. Era preciso um pouco de tato e preparo para dizer à uma pessoa que sua mãe, a qual você pensava que estava morta, na verdade continuava bem viva. E que seu pai, o qual ama tanto, é um ser humano bem pior do que você jamais poderia imaginar.

Tudo Pela ReportagemWhere stories live. Discover now