Experimente de novo.

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Jonas Bencke

Passou tempo suficiente. Eu acordei depois do meu pesadelo com os olhos de Natan em cima de mim. – Tá olhando o que, magrelo?! – Ele desvia o rosto e eu levanto pegando o dedo que tinha deixado no meu bolso. Precisei tirar a blusa para dormir, mas sabia que meu aperitivo estaria lá. Ainda tem sangue frio se apertar bem. – Eu acordo com fome. Você quer um?

Ofereci o outro dedo a ele, mas foi negado. Dei um sorriso sortudo deixando um daqueles dedos comigo, em minha boca. 

Eu gosto de Natan. Ele fala pouco e não parece que vai sair correndo se eu bocejar. Sorri pra ele com o restinho de sangue da mulher em minha boca e novamente me aproximei demais. 

– Quer mais sangue? Frio não é tão bom, mas eu posso misturar com quente. Fica lindo. Lindo como você estava ontem. – Ele fita minhas tatuagens e logo seu olhar chega no meu. Quardo o dedo no meu bolso novamente para conseguir o que eu queria. Mordo a pontinha para que minha língua sangre e deixo que ele se aproxime para pegar o meu sangue. 

Ele veio. Claro que veio. Vai ficar lindo. Lindo com meu sangue explorando sua boca. Meu sangue conhecendo sua língua. Suas mãos depressa conheceram meu corpo. Conheceram e gostaram. Gostaram do que sentem. Gostaram das minhas marcas. Ele quer mais sangue. Mordo seu lábio devagar, apenas para corta-lo. Para ele sentir. Gosto de homem continua sendo ruim, mas o dele não é dos piores. Está misturado. Meu, dele e dela. Juntos. Ele recuou quando percebeu minha empolgação. Ele recuou com a boca linda. Lindo de sangue. Sorri mostrando meus dentes sujos e logo coloquei o dedo  da faxineira novamente em minha boca.

Andei rápido. Temos que ir tomar o café da manhã. Coloquei minha camisa e abri a portinha para que Natan saísse e assim parasse de ficar olhando para minha cara.

– Não vai querer comer? Ir pro patio– Ele concorda com a cabeça e finalmente vai indo na minha frente. 

Refeitório masculino. Pátio masculino. Que graça eles veem de colocar tantos homens assim?! Fiquei na fila com eles me olhando. Nunca viram sangue seco na vida?! Frescos. Peguei meu pão e o café com leite. Não é ruim. Sentei com Natan em uma das mesas e comemos em paz. Tirei o dedo da mulher de minha boca e joguei longe para poder comer o pão. Já está seco demais.

– Você é quieto. Quieto demais. Não quer falar? – Arqueei a sobrancelha para Natan e finalmente ele abriu a boca.

– Querem fazer experiências com meu corpo. Igual em Auschwitz. – Só me faltava essa... Cada dia mais descacetado. 

– Deixa de ser doido. Nazistas estão bem longe daqui. São infernos diferentes. – Já ouvi histórias. 

 Não! Eu ouvi, eu ouvi o cara falando. Eles vão começar os testes. Os testes!! Precisamos ir embora. – Opa! Finalmente falou minha língua. Ir embora é algo que desde sempre desejo. Lá fora é muito mais lindo. 

– Então... Vamos embora. Precisamos procurar pelos barcos. Barcos e depois ficaremos lá fora. Na cidade! 

 Barcos. Os barcos ficam a leste. – Que?! Como assim ele sabe onde estão os barcos?! Podemos ir. Podemos fugir. Ir embora. 

Presto atenção. Ele vai falar mais. Vai falar baixo. Me aproximo. Ele sabe! Sabe como ir embora.

– Me desculpe. Eu preciso ir embora. – Desculpe? MERDA! 

Eles me seguraram. Não vi chegar. Foram quatro. Eu estava distraído. No meio do refeitório. Quatro enfermeiros. Quatro. Ele me traiu! Eu dei sangue para ele!! Ele estava lindo! Lindo! Ele traiu! Me entregou. Maldito. 

– VOCÊ NUNCA VAI EMBORA!! NUNCAAAA! – Tentei puxar. Tentei bater e me espetaram. Espetaram e fiquei grogue. Eu nunca fico grogue. Não fico. Eu. Não. Grogue. 

Sono. Me puxaram. Caí no refeitório. Natan. Traidor. Olhando. Camisa de força. De novo. Confiei. Errado. Traidor. Não vejo mais. Apaguei.

Island AsylumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora