Capítulo 10

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Devia ter se ofendido, mas aquelas palavras perderam o sentido ofensivo, especialmente por ele quase ter sorrido ao dizê-las. A careta se fora e qualquer que fosse a tempestade que ia se formar ali passara. Talvez ele estivesse gostando mais de Sabrina. Ou talvez estivesse muito cansada para se importar.

— Então me diga o que é tão perigoso num bando de crianças?

— Digamos que um homem feito não deve chegar nem perto delas e de seus brinquedos. São todos da altura exata para infligir danos permanentes.

— Você, alguma vez, olha para o copo como meio cheio?

Sorriu sarcástico.

— Só quando está meio cheio de uísque.

— Você é incorrigível — riu.

— E você parece minha mãe.

— Se eu fosse sua mãe, faria questão de que tivesse comida mais saudável na geladeira. — Apanhou a salada de batatas pronta, os sanduíches de mortadela que fizera mais cedo, um saco de batatinhas e dois refrigerantes. Atrás deles, os gritos estridentes das crianças brincando felizes aumentavam e diminuíam. Pássaros voavam de árvore em árvore, e uma brisa leve mexia as folhas. O dia não poderia estar melhor nem se estivesse pintado e pendurado no Louvre. — Como você consegue comer essas coisas todo dia?

— Para sua informação, mortadela é carne. Acho. Pão é do grupo dos pães, e na salada de batata, há alguns vegetais. — Alfonso espiou o recipiente de plástico. — Eles só estão tão picados que não dá para ver.

— Depois dessa, vai tentar me convencer de que refrigerante é uma bebida esportiva, tão cheia de vitaminas e eletrólitos que só esqueceu-se de colocar no rótulo.

— Ei, não dá para saber o que colocam nessas coisas. Leia a lata. Cheio de ingredientes misteriosos aí. — Ele sorriu. Quando ele sorria, o peito dela se enchia de vitalidade, algo que não acontecia há muito tempo. Desde Manoel. O sentimento era tão estranho, tão distante, que não sabia como lidar com ele. Como reagir.

Era quase como se tivesse tido um bebê e esquecido como ser mulher. Como namorar. Flertar.

Isso era flertar? Ou estava interpretando completamente errado cada sinal que ele estava mandando?

Alfonso era tão diferente de Manoel, um homem mais quieto, menos imprevisível e não cheio de mistérios, profundidades que não conseguia sondar. E não sabia se queria.

De qualquer jeito, o que faria agora era comer. Não devia pensar em se envolver com outro homem quando mal tinha tempo de respirar desde que seu marido morrera.

— Aqui estão... Hum... Garfos — disse ela, procurando no fundo do cooler e apanhando uma sacola plástica cheia de pratos de plástico, guardanapos e outros utensílios. Alfonso não tinha ideia de onde ela encontrou aquilo na casa dele, e Anahí teve mesmo que procurar para encontrar o que considerava essencial para um piquenique.

Claramente, o homem não era adepto a piqueniques. Quanto a ela, fazia tanto tempo desde que fora a um que quase esquecera a maravilha de estar ao ar livre.

Mas agora, com Alfonso tão perto, quase podia tocá-lo. Uma onda de calor emanava daquela pele, e eletricidade faiscava entre eles. Por mais que tentasse não notar, notava. Bastante. Tudo. O perfume florestal de sua colônia. O profundo azul de seus olhos. O jeito com que o cabelo escuro encaracolava-se sobre o colarinho da camisa, fazendo-a desejar passar os dedos pelas pontas. Sentir a força de um homem contra seu corpo, ser abraçada novamente.

Especificamente por ele. Por aquela figura definida, musculosa.

Pigarreou e colocou a mão no cooler.

— Aqui está: um prato, guardanapos... — Entregou as coisas a ele. — Copo de plástico... Precisa de mais alguma coisa?

Ele colocou os apetrechos no cobertor.

— Deixo você nervosa?

— Não, claro que não. Por que acha isso?

— Porque você acabou de chamar o copo de plástico de guardanapo. E o guardanapo de prato. — Aquele sorriso novamente, só que, dessa vez, provocador.

— O bebê me distraiu. — É, culpe o bebê. Colocou Sabrina no colo. — Você quer... Salada de batata?

O sorriso aumentou.

— Claro. Deixe que eu pego. Você parece ter as mãos cheias.

As mãos e a mente. O homem parecia entendê-la facilmente. Concentrou-se em ajeitar o guardanapo no colo, desejando que pudesse afastar aqueles pensamentos.

Alfonso serviu os pratos, com porções generosas. Anahí comeu, achando que não estava tão faminta. Desde que Sabrina nascera mal tinha tempo para comer, imagine dormir, mas, assim que a comida atingiu seu paladar, abriu seu apetite, e terminou o prato em tempo recorde, mesmo com apenas uma das mãos e tendo que evitar o bebê curioso com mãos curiosas.

— Sua mãe ficaria orgulhosa — disse Alfonso, lançando-lhe outro olhar provocador. — Não sobrou nem uma migalha.

Ruborizou. Nossa, comera mais rápido que ele.

— Estou sempre muito ocupada para comer ou muito cansada para cozinhar. E, quando consigo fazer uma refeição, muito raramente como porcarias.

— Bom; bem-vinda á meu mundo. Só porcarias, o tempo todo.

— Isso explica — disse baixo, ajeitando o cabelo de Sabrina.

— Explica o quê?

— Por que seu quociente de felicidade beira a zero. Você provavelmente tem deficiência de toda vitamina e mineral importantes.

Ele pressionou uma das mãos contra o peito, fingindo desmaiar.

— Ah, Anahí. Não sabia que você se importava.

— Só não quero que você tenha um ataque cardíaco no meio de uma troca de fraldas.

Ele sorriu.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now