Capítulo 14

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Tudo o que sempre quis para sua filha era o conto de fadas ideal. Uma pequena casa com uma cerca branca. Talvez um cachorro. E, acima de tudo, uma família tradicional, um marido, um parceiro para ajudá-la a cuidar da filha.

Mas o marido morrera antes que sua filha nascesse, e o lar virara um fardo que mal podia agüentar. E a filha?

A cada dia que passava, Sabrina recebia menos atenção da mãe, e a cada nascer do sol, aquele conto de fadas parecia mais distante. Ao lado de Alfonso, Anahí vislumbrou tudo o que perdera, mas, mais do que isso, vira o futuro, como se Deus tivesse aberto a cortina e dito: Olhe Anahí, isso é o que você pode ter se abrir espaço.

O problema?

Não tinha ideia de como abrir espaço em sua vida ou, mais importante, em seu coração novamente.

Apoiou-se na borda da pia, tentando segurar as lágrimas, forçá-las de volta para dentro, mas elas recusaram-se a voltar dessa vez.

Gotas grandes caíam na água, respingando nas bolhas de sabão, estourando-as. Anahí limpou as bochechas com as costas da mão. Estava feliz com sua vida do jeito que era. O restante viria no tempo certo.

Viria.

— Você está bem?

Alfonso estava atrás dela, com a voz rouca.

— Claro. Só... Ah... Começando a lavar a louça antes que... — Não havia uma boa razão para lavar a louça agora. Não encontrou nenhuma.

— A louça pode esperar. Essa é minha teoria. Especialmente quando há pão de alho para comer.

— Pode comer. Eu pego um depois.

Ele colocou as mãos em seus ombros e virou-a. Tentou não pensar em quão firme, quão dependente aquele toque era, mas era impossível. Tentou não olhar naqueles olhos azuis, porém não resistiu. Tentou não se sentir querida, protegida naquele momento, como se finalmente não estivesse sozinha e pudesse compartilhar todos os medos e fardos, se, ao menos...

Se, ao menos, ousasse.

— Coma seu jantar — disse Alfonso. Então pausou e fitou-a. — Por que está chorando?

— Por nada.

— Posso não ser o Sr. Sensível, mas até eu sei que as pessoas não choram por nada.

Ela se desvencilhou daquele toque e foi até Sabrina, tirando-a do cercado. Melhor concentrar-se na filha do que acrescentar mais um ingrediente a seu prato pessoal.

— Se não se importa de limpar a sujeira, acho que vou levar Bri para casa agora. Tenho um milhão de coisas para fazer hoje à noite.

— Você não está evitando minha pergunta, está?

Ela parou, virando-se para ele.

— Assim como você evitou a minha. — Então saiu.

Melhor não responder do que confrontar o que não conseguia, e não queria ver.

Principalmente, não sozinha.

— Alfonso, eu tenho boas e más notícias.

Inclinou-se em sua cadeira preta de couro no escritório, os pés apoiados na mesa de mogno, e suspirou.

— Deixe-me adivinhar, Reuben. A ação está ótima. A emoção, uma droga.

Numa mesa lotada de papéis em Nova York, que visitara mais de uma vez no decorrer da carreira, Reuben Banks riu. Podia imaginá-lo numa camisa havaiana chamativa, o cavanhaque perfeitamente arrumado, cabelo preto curto espetado e com gel.

Reuben era único, mas inteligente e muito bom no que fazia.

— Você leu minha mente.

— Você já disse isso muitas vezes. Poderia escrever suas falas. — Poderia escrever também as críticas que indubitavelmente viriam depois do lançamento do livro. Seriam exatamente como as anteriores. Azedas, difíceis e com uma só estrela.

E não fariam o editor contente. Ou suas vendas aumentarem. Suspirou.

— Provavelmente não preciso dizer o quão importante é esse livro. E como está atrasado também. A produção está me pressionando, Alfonso. Se você perder esse prazo...

Podia completar essa frase também. Estaria forçando a barra do editor, basicamente acabando com sua própria carreira.

— Me dê... — Queria dizer uma semana, mas sabia que era muito ambicioso, considerando o trabalho que levaria.

— Duas semanas.

Silêncio.

— Duas semanas então. Mas é bom esse livro ser melhor que Michelangelo escrevendo. — Reuben desligou, deixando a pressão chiando na linha.

Apanhou as páginas que mandara para Reuben por e-mail no outro dia e começou a lê-las. Passados alguns dias, podia ver o que seu editor via. As páginas sobre o herói e a heroína, seu romance, estavam totalmente superficiais.

Apagou tudo. Amanhã começaria novamente.

Mas qual era o problema? Onde acharia um modelo no qual se inspirar para sua história? Além disso, como capturaria aqueles sentimentos no papel?

A campainha tocou e, quando abriu a porta para que Anahí Portilla entrasse, percebeu que estava ignorando a maneira perfeita de solucionar o problema.

— Quer que eu faça o quê?

— Me ajude a escrever.

— Mas não sou escritora. — Ela apoiou o bebê no outro quadril, com os lábios acariciando a cabeça dele automaticamente. Aquelas feições se suavizaram, os olhos quase se fechando por um segundo. Assistiu-a inalar, capturando o perfume da criança. Podia jurar que seu coração acelerou.

Se fosse o tipo de cara cujo coração acelera perto de mulheres e crianças. Mas não era. 

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now