Capítulo 37

104 9 0
                                    


Alfonso virou-se, foi até a janela, fitando a rua onde morava a tantos anos, em meio a muitas famílias. Uma casa enorme que poderia comportar aquilo que sempre quis e nunca ousou ter. Por que escolher este bairro? Estava se torturando?

— Nem todos os meus livros são assim. Meu primeiro não tinha linhas. Limites. Derramei tudo nele. Derramei minha alma nas páginas.

Ela esperou quieta e paciente. Atrás deles, a bebê começou a cochilar.

— Eu tinha todas aquelas emoções confinada, esperando. Não tiveram para onde ir por anos e, quando sentei para escrever meu primeiro livro, tudo jorrou na página. Foi quase... Catártico. Quase. Esse foi o livro que projetou minha carreira, entrou na lista do Times, me fez o "Alfonso Herrera". Mas, mesmo com tudo o que aquele livro fez, doeu muito escrevê-lo, e prometi nunca mais escrever outro daquele jeito.

— Por quê?

Virou-se novamente, e em seus olhos, ela viu a dor que escondera todo esse tempo, como se um véu tivesse finalmente caído.

— Porque escrever cada palavra era como arrancar um braço. Porque aquele livro podia parecer um suspense, para meu editor e para os leitores, mas era minha história.

Ela pensou nas páginas que folheara na estante dele.

— É o livro no qual o filho do homem é seqüestrado. Ele faz de tudo para encontrá-lo.

Ele fechou os olhos e assentiu.

— Para mim, aquele livro era realmente sobre... — expirou. — Meu próprio filho.

As palavras atingiram-na como um trem e demorou algum tempo para processá-las.

— Você... Você é pai?

— Meu filho... — Dizer essas palavras novamente pareceu tirar um peso que estava há muito tempo em seus ombros. — Ele tem 12 anos agora.

— Ah, Alfonso... Onde ele está?

— Queria saber. — Seu olhar voltou-se para a janela. Seu menino poderia ser um dos muitos dormindo nas casas do bairro? Ou morava em Seattle? Denver? Nova York? Todo dia, imaginava como ele era se gostava de beisebol ou futebol, se tinha irmãos ou um cachorro, perguntas bobas e sérias.

Acima de tudo, imaginava...

Ele era feliz? Estava com pessoas que o amavam?

Mas nunca vocalizara aqueles pensamentos, achando que doeria demais. Pensou que lacrar essa parte de seu coração facilitaria tudo, mas, afinal, talvez tenha dificultado. Tinha sido injusto consigo todo esse tempo?

Esteve errado?

— A mãe dele e eu o colocamos para adoção quando ele nasceu. Parecia a única decisão a tomar. Tínhamos 18 anos, estávamos no colegial quando ela engravidou e... Não sei, ficamos muito assustados.

— Ah, Alfonso. — Anahí foi até ele, abraçando-o forte. Compreensiva. Carinhosa.

Mas ele não podia aceitar o abraço ainda. Não até dizer tudo, contar tudo a ela.

— Eu não devia ter feito aquilo. Devia ter tentando. Devia...

— Você era jovem, Alfonso. Não tinha escolha.

— Sempre há uma escolha, Anahí.

Ela encobriu o rosto com as mãos.

— Há, mas isso não significa que é sempre a escolha certa. Olhe para mim, sou mãe solteira, adulta, formada e ainda tenho dificuldades para criar meu bebê. Que tipo de lar você poderia prover quando adolescente?

— Mas eu o amava. — A voz dele falhou, tremeu nas últimas sílabas. — Talvez isso fosse o bastante.

— Você o amava o bastante para tomar a decisão certa. Uma chance para a melhor vida possível, com dois pais que o amariam e o apoiariam.

Ele balançou a cabeça, as perguntas que o assombraram pelos últimos 12 anos ainda martelavam em seu coração.

— Me preocupo com ele todo dia. Imagino onde ele está. Se ele é feliz. Se...

— Se ele pensa em você.

O caroço em sua garganta o impedia de falar. Assentiu.

— Claro que pensa. — O toque de Anahí ecoou as palavras gentis. — Você devia se inscrever no registro de adoção. Então, quando ele for grande o bastante e quiser achá-lo, poderá. E você poderá responder às perguntas dele, e talvez ele possa responder às suas.

— Você acha... — Ele balançou a cabeça e desviou o olhar para Sabrina, mas não podia vê-la, porque sua visão estava borrada, porque tanta coisa acontecera nos últimos minutos que era demais para seu coração, o redemoinho de emoções quase o esmagava agora. — Acha que ele vai me perdoar?

— Acho que, para começar, você tem que se perdoar. Um filho é uma dádiva de amor, Alfonso e, você deu o maior presente de todos para um casal sortudo. Pare de se culpar.

Ali, como ele sabia, estava o problema. Desculpar-se sempre foi seu maior empecilho.

Ele poderia conseguir dizer todas as palavras certas, escrevê-las nas páginas, mas dizê-las para si...

Era onde ele empacava.

— Digo isso para mim mesmo, mas mil questões ainda povoam minha cabeça, Anahí. Mil arrependimentos. — Virou-se para ela novamente, a voz estava rouca. — E até que eu as responda, não sei como posso ser um homem para você ou... — Fitou Sabrina novamente e agora a voz falhou. — Um pai para ela. Desculpe.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now