Capítulo 32

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A voz de Julia não mudara nada em 12 anos. Quando ela disse alô, jurava que podia sentir o calor daquele verão na nuca, ouvir o surfe da praia de Nantasket e, acima de tudo, sentir o peso de seus erros nos ombros.

— Julia, é Alfonso.

Houve um silêncio pelo que pareceram dez anos, mas foram provavelmente dez segundos. Ainda assim, segundos agonizantes.

— Faz muito tempo, Alfonso. O que você quer?

— Pedir desculpas — expirou.

Se ela ficou surpresa, não demonstrou pela voz. Mas, também, o que esperava? Um momento cinematográfico? Que suas desculpas fossem aceitas de braços abertos?

Talvez esperasse. O escritor que havia nele imaginou uma reconciliação silenciosa.

Talvez para não ter que encarar aquele momento desconfortável.

— Muitos anos se passaram.

— Eu sei. Bem... — Expirou novamente. Se isso era uma página em branco, talvez fosse mais fácil encontrar as palavras certas. — Eu devia ter ligado há muito tempo, Julia.

Ela não respondeu; o que era ainda pior.

— E, acima de tudo, deveria tê-la apoiado mais depois... De tudo o que foi dito e feito.

— Você simplesmente foi embora. — Não havia mais acusações naquela voz. Talvez o tempo as tivesse apagado. Do lado dela, talvez sim. Mas muitas acusações á si próprio ainda ecoavam em sua mente.

— Quando cheguei do hospital... — continuou. — Você tinha ido para a universidade, para sua própria vida.

— Eu sei. — Havia largado tudo. Pensando que era a saída mais fácil. Mas será que fugir tinha feito algum bem para ele afinal? Certamente não foi a coisa certa de acordo com Julia. Sabia disso agora, mas, naquela época, era jovem e imaturo...

Bom, tinha sido a escolha jovem e imatura.

— Fiquei muito brava, Alfonso, por muito tempo, porque senti como se você tivesse fugido. — Perguntas antigas aumentaram o tom daquela voz, trazendo as dúvidas e acusações à tona. — E eu estava presa naquela cidade, lidando com os olhares e sussurros. Não havia uma vaga na universidade esperando por mim. Eu tinha um trabalho numa pequena delicatéssen de New Hampshire, onde todo mundo sabia o que acontecera comigo.

Como podia ter feito aquilo com ela? Se pudesse voltar no tempo e falar com o Alfonso daquela época, ele voltaria. Diria para se controlar, encarar a realidade e o que tinha acontecido, em vez de fugir. Porque Julia precisava dele, e isso devia ter prevalecido sobre qualquer medo.

Em vez disso, ele foi um adolescente covarde, escolhendo o caminho mais fácil, fugindo simplesmente porque podia, enquanto a namorada tinha que arrumar a bagunça que fizeram. Vergonha e arrependimento varreram seu peito.

— Desculpe Julia. Eu estava fugindo, acho. Devia ter ficado. Esperei um semestre para ir embora.

— Tudo bem. É passado — disse ela, com as palavras curando machucados antigos. — Eu entendo agora. Acho que teria feito o mesmo se pudesse.

Que irônico, pensou, ele que ligara para se desculpar e era Julia quem o estava confortando. Quando, na verdade, devia muito mais a ela do que jamais poderia pagar.

Tentou novamente, procurando as palavras impossíveis que demonstrariam o quanto sentia. Como faria tudo diferente se pudesse.

— Desculpe Julia, sinto muito mesmo. Devia ter ligado mais, estado lá, voltado para casa. Alguma coisa. Era jovem e estúpido, e não há um manual dizendo o que fazer quando esse tipo de coisa acontece antes da formatura. Mas, acima de tudo, tive muito medo — acrescentou ele, admitindo o sentimento que o dominara por tantos anos, o sentimento que os separara. — Muito medo.

— Eu também. — Aquela voz era pequena e perdida, como se ela tivesse 18 anos novamente, e se eles estivessem olhando aquele bastão rosa, o horror tomando conta deles.

A vida deles passou diante de seus olhos: os futuros arruinados, caminhos repentinamente desviados.

Então finalmente falou às palavras que esperaram 12 anos para serem ditas, porque dizê-las em voz alta despertava a dor daquela decisão e a única coisa que achara que poderia esquecer.

E não podia. Nem por um segundo.

— Você pensa nele?

— Todo dia, Alfonso — disse suavemente. — Todo santo dia.

Deixou-se cair numa cadeira.

— Eu também.

Uma longa pausa. Ao fundo, podia ouvir crianças brincando. Filhos dela? Gostaria que fossem. Gostaria que ela tivesse tido outros filhos com o novo marido, que tivesse encontrado a paz que escapara dele.

— Você acha que ele é feliz? — perguntou ela.

Essa era a pergunta que mais o assombrava. Deixara-o acordado muitas noites durante anos. Enchia-o de arrependimento. A única pergunta que não podia responder.

Fizeram a escolha certa? O filho deles era feliz? Saudável? E, acima de tudo, melhor adotado por estranhos do que teria sido com seus pais?

Passara os últimos 12 anos rindo e sorrindo, criado por pessoas que o amavam, como Anahí amava Sabrina? Coberto de beijos e abraços, colocado na cama confortavelmente à noite, sentindo que seu mundo estava seguro?

— Tenho certeza de que sim — disse, porque sabia que era o que ela precisava ouvir. E o que dizia a si mesmo todos os dias.

Porque era o único jeito de viver com a decisão que tomaram quando jovens de deixar outra pessoa criar o filho deles.

Anahí terminou o dia e não achou nada de interessante nos classificados que Alice levou na hora do almoço. Havia muitos empregos que se encaixavam com sua experiência.

Mas só lhe daria tudo o que queria.

Com algumas condições que não queria.

Sentou-se à mesa, respondendo mais alguns e-mails antes de desligar o computador.

Quando acabou, apanhou a foto de Sabrina.

— Ah, bebê — disse para a foto. — Qual é a melhor decisão para nós duas?

PAPAI POR ENCOMENDAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora