Capítulo 31

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Viu-a inspirar e sabia que oferecera o trunfo que ela não poderia recusar. Anahí olhou através dele para o quarto onde sua filha dormia, e naqueles olhos, viu-a dividida entre a vida que tinha e a que poderia ter...

Se apostasse em Alfonso.

Uma aposta que até ele não tinha tanta certeza de que faria.

Acabara de receber tudo o que sempre quis numa bandeja de prata.

O problema?

Estava tudo ligado a Alfonso Herrera, o homem que virara seu mundo de cabeça para baixo.

Conseguiria trabalhar em casa, agüentaria uma mudança de emprego, tinha certeza.

E ele estava certo, sabia que escrever livros era o tipo de trabalho que tocava as pessoas, como queria quando estava na faculdade, diferente de seu trabalho atual. Mas uma mudança da estação de TV, cheia de pessoas, para a calma casa do quieto e solitário escritor...

Era uma mudança completa.

Sem mencionar que, toda vez que se aproximava dele, não pensava em trabalho, salário ou pagar contas, mas em beijá-lo. Não era exatamente uma boa maneira de manter o pagamento da hipoteca no banco ou comida na geladeira.

Pela primeira vez em semanas, estava grata pela reunião obrigatória das terças, à qual não podia faltar, a menos que "estivesse morta ou num processo de desmembramento", segundo as palavras de Lincoln. O tempo no trabalho lhe daria uma boa desculpa para deixar a casa de Alfonso por algumas horas, evitando uma resposta aquela proposta de trabalho. Sabrina ficara para trás com ele, que assegurara que conseguiria fazer o bebê brincar e deitar para a soneca matutina.

— Aí está você! — disse Alice ao sair do elevador. — A mulher invisível.

— Desculpe. Pelo menos, cheguei a tempo para a reunião de produção das quintas.

— Ah, esqueci de ligar! Lincoln cancelou. O que você disse para ele? Ele tem estado... Decidido. Nada parecido com ele.

Riu.

— Cansei de ir a reuniões a cada cinco minutos e, quando não estava à disposição dele, sugeri que tomasse decisões, sozinho.

Alice levantou a mão num gesto de "bate aqui".

— Que bom para você. Já era hora de alguém fazê-lo crescer.

Riu e bateu na mão de Alice.

— Só estou fazendo meu trabalho e aparentemente conseguindo um pequeno milagre no processo.

— Bom, ainda bem. Você é inestimável por aqui, El. Não sei o que faríamos sem você.

— Ouvi isso várias vezes hoje.

Alice apoiou-se na borda da mesa e sorriu.

— Pela expressão no seu rosto, eu diria que a outra pessoa te dizendo isso é um H-O-M-E-M.

Ruborizou. Por acaso, estava na sexta série?

— É um cara, mas é só meu vizinho.

— Só um vizinho, é? — Alice sorriu. — Ele é fofo?

— Acho que sim. É alto. Moreno. Olhos azuis. Se você gosta desse tipo de coisa.

— Alô, se você respira você gosta. E como você conheceu o Senhor Maravilhoso?

— Ele está cuidando da Sabrina enquanto a Sra. Bracho cuida da irmã. Ele faz a Bri rir. E gosta de piqueniques. Outro dia, fizemos um, só nós três. — Tentou esconder o sorriso formando-se em seus lábios, mas não conseguiu. — Ele é escritor.

— E é sexy e ama bebês? Case agora, Anahí, antes que o restante da população feminina de Boston o agarre. E se ele tiver um irmão, passe para cá, porque eu faria bom uso de um bom homem ou até um meio decente.

Não ia discutir sobre namorar Alfonso Herrera e muito menos se casar com ele. Puxou a agenda da bolsa e começou a folheá-la.

— Amanhã de manhã filmaremos o primeiro segmento do programa da próxima semana. Estamos prontos para receber o convidado? Você confirmou a aparição dele?

— Checado duas vezes. Pedi o refrigerante que ele gosta e teremos aqueles biscoitos que ele pediu meia hora antes.

— Bom. Vou passar no estúdio e repassar as luzes e os ângulos da câmera com o diretor. E ter certeza de que o set está pronto.

Alice apoiou a mão em seu ombro.

— Vai dar tudo certo, como o programa da semana passada. Pode relaxar.

— Sei que vai, mas é meu trabalho me preocupar.

— Eu sei, mas... — Alice mordeu o lábio inferior.

— O quê?

— Deixa para lá. Não vou nem perguntar.

— Alice, faz dois anos e meio que você me conhece, desde que trabalho aqui. Pode me perguntar qualquer coisa.

Alice expirou profundamente, então apertou sua mão.

— Você parece tão estressada toda vez que entra aqui. Sei que você concilia muitas coisas, e Deus sabe que eu não trocaria minha vida pela sua por todo o milho em Indiana, mas fico imaginando se... Você está se divertindo? Quero dizer, qualquer trabalho vale à pena se você se diverte.

— Diversão? — Riu um pouco. Fechou a agenda. — O que é isso?

— Exatamente, El. Acho que você parou de se divertir duas promoções atrás. E não estou dizendo isso para convencê-la a se demitir, mas odiaria ver sua vida girar em torno do salário. Quando vi você falar de seu vizinho e do piquenique, vi diversão em seu rosto, e eu não via isso há muito tempo. Fiquei com um pouco de inveja.

— Ah, Alice, foi só um piquenique, não significou nada.

— Não, mas percebi que odeio trabalhar aqui. É como ser uma lagosta numa panela fervente, e toda vez que você tenta escapar Lincoln fecha a tampa novamente. — Alice estapeou a mesa para enfatizar sua fala. — Você me convenceu. Vou pegar os classificados na hora do almoço. — Inclinou-se para frente. — Sabe no que me formei? Artes. Estarei feliz pintando, não pegando café para Lincoln e agüentando mais uma daquelas broncas.

— Que bom para você — disse. — Ei, se há uma cidade que é boa para achar um emprego com artes, essa cidade é Boston.

Alice assentiu feliz pela decisão.

— Isso resolve minha vida. Agora qual é sua desculpa para ficar aqui por tanto tempo?

Estremeceu, percebendo que realmente estava na televisão por tempo demais, trabalhando para um chefe exigente é teimoso. Um chefe de quem nem gostava mesmo.

— Vim quando Manoel veio e fiquei depois que ele morreu, porque era mais fácil do que encarar mais uma mudança radical. E ficava pensando que eventualmente encontraria meu nicho, acharia um jeito de criar aquelas histórias que sempre sonhei em criar.

— Em vez disso, você está servindo comida para jogadores de futebol com egos maiores que um arranha-céu. E ficando aqui em vez de lidar com... Bom, tudo.

Riu tanto que seu abdome doeu.

— É, e não estou mais feliz por estar aqui do que você. Talvez você devesse pegar duas cópias dos classificados na hora do almoço.

Alice sorriu.

— Pode deixar Anahí. Pode deixar.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now