Capítulo 17

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Os detectores de mentira eram também conhecidos como as irmãs deles, que arrancariam a verdade até de um mudo. Elas seguiam os irmãos para todo lado quando eram pequenos, depois corriam para contar à mãe deles tudo o que os dois haviam feito.

Assim ganhavam brownies ao incriminá-los por estarem brincando no riacho em vez de eles estarem cuidando do jardim.

Ele amava as irmãs, mas elas mereciam vingança. Por isso, mandara baterias de presente para as crianças no Natal.

Abriu duas latas de refrigerante, deu uma a Peter, e sentou-se no sofá, apoiando os pés na mesa de centro.

— A mulher se chama Anahí Portilla. Mora do outro lado da rua. Precisava de uma babá temporária e, como sou o único que fica aqui o dia todo, fui eleito.

— Mas você não cuida de crianças. Evita elas como se fossem pragas.

— É só por alguns dias. Nada demais.

— Hum-hum. Está se envolvendo. Saindo da caverna eremita. Estou orgulhoso. E com uma mulher que tem filhos? Acho que é uma grande coisa. Ela é bonita?

Fez uma careta.

— O que isso tem a ver?

Peter riu.

— Deve ser maravilhosa. Você está tentando muito fingir que não se importa. Acho que está, por acaso, reclamando demais.

— E eu acho que você está metendo o nariz onde não é chamado.

Isso só fez Peter rir mais.

— Então vai se arriscar dessa vez, irmãozinho?

— O que isso quer dizer?

— Você sabe o que quero dizer. Só porque um relacionamento não deu certo não quer dizer que você tem de se fechar para todo mundo. Você merece uma segunda chance, sabe?

Tombou os pés no chão.

— Você não sabe do que está falando. E não estou procurando um relacionamento.

Peter olhou pela janela e assobiou.

— Uau. Essa é a vizinha com a qual não está se envolvendo? A que não chama sua atenção? Mesmo?

Seguiu o olhar dele. Anahí estava atravessando a rua com Sabrina no colo. Vestia uma saia florida, que esvoaçava na altura dos joelhos, expondo lindas pernas. Saltos baixos acentuavam sua panturrilha, enquanto um suéter branco de mangas curtas delineava o restante daquelas curvas.

Droga. Não conseguiria fazer nada hoje certamente. Por que ela não podia ter vestido moletom e uma blusa, como lodo mundo que trabalha em casa? Ou jeans e uma blusa, como ele?

Então lhe ocorreu que ela poderia ter escolhido a saia e o suéter por sua causa.

Porque ela...

Gostava dele?

O pensamento deveria tê-lo incomodado. Deveria tê-lo chateado, porque tinha acabado de dizer a Peter que nunca se envolveria com uma mulher novamente. Mas não o incomodava. Em vez disso, pensar que Anahí poderia tê-lo em mente quando escolheu a roupa hoje, que tinha considerado sua reação quando optou pela saia, animou-o por inteiro.

— É você não está nem um pouco interessado — sussurrou Peter em sua orelha. Então riu e deixou a chupeta em suas mãos.

Anahí tinha usado a saída mais fácil. Duas vezes.

Ela havia avisado a Alice que estava doente, que não acreditou por um momento e supôs simplesmente que Sabrina é quem adoecera. Deixou que ela pensasse isso e disse que provavelmente voltaria no dia seguinte.

Então, quando Sabrina estava cochilando, Alfonso pediu que ela sentasse a seu lado para ajudá-lo com o manuscrito. Em vez disso, ela ficou em pé atrás dele. Bem longe dele, por que...

Bom, porque, nas últimas 36 horas, tudo entre eles mudara. Desde que ele chegara tão perto de beijá-la, ou achava, ainda não tinha certeza se era isso mesmo, a equação que parecera tão balanceada tinha pendido para um lado e ainda não encontrara um jeito de igualar tudo outra vez. O resultado daquela equação era uma bagunça completa.

— A menos que você tenha visão de raios X, não consegue ler nada daí.

— Estou bem.

Ele se virou na cadeira e sorriu.

— Você não parece bem. Na verdade, parece desconfortável. Tenho outra cadeira, sabe. Pode se sentar a meu lado e se sentir em casa. — Apontou para outra cadeira.

— Fale por si. Você também não parece tão confortável.

— Eu? Estou formidável.

— Que tipo de cara usa uma palavra como essa? Formidável? — perguntou ela, rindo.

— Ei, eu sou escritor. Meu vocabulário é extenso e variado. — Virou-se novamente para a mesa. Desceu algumas páginas no computador e apontou para a tela. — Está bem, fique aí se quiser. Nessa cena, o herói e a heroína se reencontram depois de 10 anos. Devem ter todas essas emoções na cabeça deles; sabe? Tipo "o que estamos fazendo aqui juntos novamente", enquanto o perigo está instaurado, porque eles sabem que o cara mal pode estar escondido, observando-os.

— Então ainda há muita atração fermentando?

— É. E todas aquelas perguntas sem resposta do passado. — Alfonso empurrou a cadeira para trás, encurtando a distância entre eles sem perceber. — Só que toda vez que eu tento mostrar isso, parece que são dois caras falando sobre futebol.

— Ah, não pode ser tão ruim.

— Leia. Você verá. Tem tanto sentimento quanto uma música punk.

Aproximou-se, espiando por sobre o ombro dele, e leu. Ele estava lhe pagando para fazer isso e, afinal, tinha aceitado opinar. Alguns segundos depois; foi obrigada a concordar.

— Não sou expert em emoção em suspenses, porque meu parâmetro são os livros de romance que já li ou, pelo menos os que, lia quando tinha tempo — disse, rindo. — Algum dia, eu espero ter tempo para ler novamente.

— As crianças ficam mais fáceis. — Estremeceu. — Acho. Não que eu saiba claro. Minha mãe não tinha tempo para si quando éramos pequenos. Mas, quando estávamos crescidos e ambulantes, alimentando-nos sozinhos, ela passou a ter tempo para coisas como leitura. E comida. — Ele sorriu.

— Então há esperanças de que eu tenha uma vida. — Ela devolveu o sorriso, e se olharam por um longo tempo. Um tremor de conexão varreu-a, e ela afastou-se, deixando um pouco de ar frio infiltrar no espaço. — Acho que você conseguiu captar mais ou menos a essência do homem. Mas a mulher... Bom, ela é quase papelão.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now