Capítulo 38

104 8 0
                                    


O que Alfonso disse explicava tudo. O distanciamento dele de Sabrina, aquela indisposição de se aproximar. Anahí observou-o atravessar a rua, uma figura solitária sob a iluminação fraca do poste de luz.

Alfonso Herrera tinha um coração partido. Não conseguia se perdoar por uma decisão feita na adolescência, uma decisão que qualquer um poderia entender e apoiar.

Anahí nunca admirara tanto um homem. Ele fizera uma escolha extremamente difícil, que não tinha certeza se poderia ter feito, não agora que tinha uma filha e sabia das alegrias de segurar seu bebê.

Algum tempo depois, Anahí alimentou Sabrina e colocou-a para dormir. Se fosse sensata, faria o mesmo consigo. Mas, em vez disso, caminhava pela casa, pensando naquele dia. Em Alfonso.

E em por que não tinha ido atrás dele quando teve a chance. Por mais que tenha entendido o que ele disse e por que ele agiu daquela forma, ainda estava em sua casa. Sozinha.

Pouco depois das 22h, a campainha tocou. Esperava encontrar Alfonso na soleira, mas era... A Sra. Bracho.

— Ligue a televisão no canal 3, por favor — disse a senhora, enquanto entrava na casa, com a bolsa de costura no ombro e os chinelos na mão. Antes de entrar, trocou os sapatos pelos chinelos.

O que, diabo, estava passando?

— Canal três?

— Os comerciais já vão acabar e odiaria perder meu filme. — A senhora foi até o sofá, sentou-se e colocou a bolsa de costura a seu lado.

— Sua televisão não está funcionando?

— Claro que está. Mas não posso cuidar de minha vizinha-neta se eu ficar em minha casa enquanto ela está dormindo no berço aqui.

— Não precisa cuidar dela, Sra. Bracho. Não hoje.

— Preciso, já que você vai atravessar a rua e acertar as coisas de uma vez por todas com seu vizinho bonitão. — A senhora balançou a cabeça enquanto tirava as agulhas e um suéter quase terminado da bolsa. — Honestamente, vocês dois são muito teimosos.

— Somos só...

— Teimosos. Querida, quando você chegar à minha idade, vai aprender que a vida é curta demais para ficar esperando um homem atravessar a rua novamente e dizer que não pode viver sem você. Você o quer, vá pegá-lo! E pare de ter tanto medo de mudar sua vida.

Claramente, a Sra. Bracho não ia a lugar algum, não até que ela fosse. Deu o controle remoto à vizinha e ligou a televisão. No canal 3, ainda estava passando um anúncio sobre limpeza de carpetes.

— Para sua informação, não tenho medo.

A Sra. Bracho arqueou uma sobrancelha.

Será que tinha? Pensou por um segundo. Será que esteve tão errada sobre isso quanto esteve sobre Alfonso? Anahí estava tentando proteger seu próprio coração, usando a desculpa das "complicações", porque estava aterrorizada de ser deixada sozinha novamente? Durante todo esse tempo, não tinha lidado com a perda de Manoel, porque tinha medo que doesse demais. Então, pouco a pouco, estar com Alfonso a forçara a fazê-lo.

E não havia doído tanto quanto ela pensara.

Então do que Anahí tinha medo agora? De mudanças?

— Vá — disse a senhora, acenando para Anahí. — E não se apresse para voltar. Tenho muito que costurar, e o filme de hoje é duplo. — Ela sorriu e podia jurar que viu um brilho naqueles olhos azuis-claros.

Alfonso estava sentado no escritório e percebeu que era um idiota.

Claro, provavelmente tinha sido um idiota a semana inteira. Só que, nos últimos minutos, a verdade apareceu. Como costumava acontecer com um escritor, ela saíra de seus dedos para a página.

Ele assistiu-lhe ir embora e sentiu algo se partir em seu peito. Ela desapareceu na chuva, engolida por uma poderosa tempestade. Mas não foi a tempestade que levou Anahí embora, foram seus próprios medos. Seu próprio silêncio.

Não disse o que precisava dizer quando teve a chance, e agora não perdera só a mulher. Ele perdera a família que procurou por anos. Durante todos esses anos, achou que estivesse procurando seu filho, procurando seu rosto naquele garoto de bicicleta ou naquela criança no shopping. Mas, na verdade, tudo o que queria era a família dos sonhos, da qual teve que abrir mão porque era muito jovem para lidar com o erro que cometera aos 18.

E agora as palavras se instalaram em sua garganta, tarde demais.

Quero você. Preciso de você.

Amo você.

Levantou-se num salto e afastou-se.

Amava?

Ele pensou nos últimos dias. No piquenique. Nos sorrisos, nas torradas e, entre todas as coisas, no café.

E quase jogara tudo fora.

Mas como poderia fazer isso funcionar, ser o homem que ela queria, de que precisava?

Olhou pela janela, para a casa do outro lado da rua, a casa das duas mulheres que amava, e pensou...

Como não poderia?

Anahí nem teve que atravessar a rua.

— O que está fazendo aqui?

— Procurando você — disse Alfonso. Quando ele sorriu, o coração dela acelerou. — E o que você está fazendo?

Sorriu de volta.

— Procurando você. A Sra. Bracho está com Sabrina.

— Isso significa que estamos sozinhos?

Os postes de luz e as luzes das cercas quebraram a escuridão da noite. Um barulho de risos vinha de uma casa próxima, anunciando a presença de vizinhos. Um regador automático funcionava duas casas para baixo.

— Tão sozinhos quanto podemos estar no meio da rua.

Ele riu.

— Verdade. — Estendeu a mão e puxou-a para perto. — Por mais que eu ame sua filha, realmente não queria ter um público infantil ou nenhum público agora.

Anahí ficou surpresa. Ouvira direito?

— Você... Ama minha filha?

— Sabrina me... Conquistou. Ela também vomitou e fez xixi em mim, mas compensou com o pa-pá.

Demorou meio segundo, então seu cérebro processou a palavra. Fitou Alfonso, lendo aqueles olhos azuis oceânicos, incapaz de acreditar no que ouvira.

— Você... Acabou de chamá-la de Sabrina. E não de criança.

Ele sorriu.

— Chamei, não é?

Assentiu, impressionada.

Alfonso apertou a mão de Anahí e virou-se para a casa dele.

— Entre, Anahí. Não vamos ter essa conversa na frente do bairro inteiro.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now