Capítulo 21

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Sabrina a fitou como se ela tivesse uma explicação para o comportamento misterioso de Alfonso, mas estava tão surpresa quanto o bebê. Tinha certeza de uma coisa: aquilo não era sobre Sabrina. Era sobre algo que acontecera com Alfonso. Algo sobre o que ele não queria conversar.

Aparentemente, o bloqueio emocional não estava só em seus livros.

Sabrina dormiu no cercado, de barriga cheia. A noite caíra, o escuro cobrindo o bairro. Todos no quarteirão estavam dormindo.

Menos os dois.

Na casa dele, apenas uma luz brilhava no segundo andar, no escritório, onde estavam sem saber das horas que passavam enquanto trabalhavam. Assim que o bebê dormiu, entraram num ritmo natural com o livro: enquanto contava uma cena, ela dava dicas, escrevia; então ele imprimia as páginas para ela ler e criticar. Adicionava as mudanças e começavam Tudo outra vez.

— Ah, minha nossa — disse Anahí. — Olha à hora.

Fitou o relógio do computador.

— Uma e meia da manhã. Desculpe. Não esperava que trabalhássemos até tão tarde.

— Tudo bem. Foi divertido.

Riu.

— Escrever? Divertido?

— Bom; claro. Você não se diverte escrevendo?

Recostou-se e alongou-se.

— Acho que me divertia, no começo. Mas não acho mais divertido há muito tempo. — Então os olhares se encontraram. — Mas hoje, é... Foi divertido.

Ela sorriu, com um de seus muitos sorrisos que ele achava que não conseguiria começar a descrever.

— Valeu a noite em claro?

— É.

— Sei que vou pagar por isso amanhã.

— Aposto que vai me fazer pagar também. — Sorriu. — Regras do bebê.

— Essas vão valer. Bastante.

Há quanto tempo não flertava assim com uma mulher? Ele estava se divertindo. Fora dos livros? Há muito tempo certamente.

— Preciso ir — disse Anahí, desapontando-o. Apesar da hora, não queria que esse momento acabasse. — Mas queria mencionar uma coisa antes de ir.

— Fale. — Sobre ele? Ou o livro?

— Não sei se quer acrescentar isso ou não... — Ela hesitou. — Mas, se eu fosse ela...

— O quê? Continue agüento críticas. Mas seja gentil. Meu ego é frágil.

Ela bocejou.

— É. E eu sou uma lutadora de sumo. — Espreguiçou-se, sorrindo. — Bom; o que pensei que você devia acrescentar é sua heroína pensando que ele provavelmente não sente a mesma coisa.

— O que quer dizer?

— Nessa parte aqui. — Inclinou-se na frente dele para apontar um parágrafo no começo da página. — Ela o vê ir embora, e isso a machuca, porque ela sente uma coisa e o herói sente outra. Ou talvez ele não sinta, porque o leitor não lê os sentimentos dele neste capítulo. Só os dela.

— E você acha que preciso acrescentar a interpretação dela sobre como ele se sente.

Anahí assentiu. Aquele olhar claro encontrou o dele.

— Porque você conhece os homens, e eles não são muito bons em dizer o que estão pensando.

— Não, não são. Deixam as cartas nas mangas.

— Mas, se ele dissesse, ela poderia reagir. — Novamente, seus olhares se encontraram. Era uma pergunta? Ou uma dica?

Tudo o que tinha de fazer era perguntar algumas coisas e lá estaria novamente, brincando com fogo. O mesmo fogo que conseguiu evitar antes, quando terminara um beijo antes de começar.

Não pergunte.

Deixe pra lá.

Siga em frente.

Inclinou-se na cadeira, com um braço apoiando a cabeça, e estudou-a.

— Ao que ela reagiria? — Nunca foi muito bom em deixar para lá.

— Depende do que ele disser para ela — respondeu Anahí.

Ela estava perguntando se estava interessado. Sabia. Pelo jeito que o observava, e não ao livro. Perguntando se desistira de beijá-la porque não gostava dela ou porque gostava o estava tentando ser um cara legal.

— Porque, até agora, ele não contou há ela muito sobre nada, não é?

— Não. Talvez ele só não saiba o que dizer. — Prendeu o olhar dela. — Ou talvez não quisesse mudar as regras do jogo.

— Alguma coisa certamente mudou Alfonso — respondeu ela, gesticulando na direção das páginas. — Porque, cinco minutos atrás, sua heroína era loira de olhos azuis. Agora é morena de olhos azuis. Parece alguém que você conhece?

O que esteve pensando? Como aquilo acontecera?

— Eu... — A voz de Alfonso falhou. Não tinha resposta.

Anahí se levantou e caminhou em direção à porta.

— Talvez precisemos tirar a mente do mundo ficcional.

Porque o que acontece aí não é verdadeiro. Sou uma mãe solteira, Alfonso, e se há algo que tenho em abundância, é realidade. E isso significa que não tenho tempo para virar as próximas cem páginas para descobrir como alguém se sente.

Então foi embora, deixando Alfonso com os personagens imaginários de seu livro ficcional, que estavam em tanto conflito quanto ele.

Hora do almoço.

Alfonso não ansiava por uma refeição assim desde... Sempre. Teria se esquecido do almoço se Anahí não tivesse feito chili, cozinhando, sem querer, a refeição favorita dele.

Sentira o aroma apimentado do escritório e não conseguira resistir à tentação do prato de carne e a seu estômago roncando.

Ela estava sentada à mesa, e o bebê, num braço, com a mamadeira encaixada na boca.

Uma tigela de chili estava na sua frente, soltando fumaça. Outra estava no lugar dele, acompanhada de dois pedaços de pão de milho.

Pão de milho também? Ah, estava perdido.

— Você me trata bem demais.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now