III

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A tradição dizia que a mulher deveria se recolher ao templo com antecedência de sete noites para o ritual de purificação. Lá ela seria banhada 7 vezes com ervas e rosas, seu corpo seria adorado e cultuado pelas sacerdotisas, cuidado e preparado para a benção das deusas Atena, Afrodite e Ártemis. 

Mesmo com a pressa de que o casamento seria amanhã, Giovanna não abriu mão de suas origens e subiu até o Templo de Ártemis para se isolar até a manhã seguinte. Do monte, Giovanna desceria a cavalado, com o rosto coberto por seda branca e quando chegasse até os pés da estátua de Ártemis, ela e Alexandre dariam 7 voltas ao redor dela, com ela ainda coberta em sua cabeça, o guiando. A tradição dizia que ela não falharia nenhum passo e nem tropeçaria pois a deusa estaria guiando seus passos, e seu marido seria sua âncora. 

A tradição dizia também que era seu pai quem deveria lhe levar até o templo. 

E a falta dele veio com uma dor insuportável. 

— Bom ritual, minha filha. — ela ouviu a voz de sua mãe, o que lhe trouxe de volta para a realidade. 

Estavam em seus cavalos, a subida até o topo do monte, ao templo, deveria ser feito apenas as duas. Ao longe, Giovanna já podia ver as sacerdotisas a esperando. Voltou o olhar até seu palácio, sabia que não tinha mais volta. Sentiu as mãos de sua mãe nas suas, a olhou. 

— Peça por um casamento feliz, um casamento abençoado, meu bem. 

Dito isso, Felíccia beijou o topo de sua cabeça e a soltou. Voltou a montar em seu cavalo e desceu a trilha sem olhar para trás, como mandava os antigos, pois deixar uma filha no templo não deveria ser sinônimo de tristeza. 

Giovanna limpou rapidamente a lágrima que caiu. Ela também não seria fraca na frente dos deuses, não envergonharia seu reino. 

Puxou Oríon pela rédea até conseguir uma árvore para prendê-lo. Se aproximou das escadas, tirou as sandálias e todas as joias e as deixou ali, deveria entrar apenas com a roupa. Olhou para cima, vendo tudo aquilo em glória, brilhando no sol quente. O contraste entre o branco, o ouro e o céu azul era quase demais para seus olhos. Subiu devagar, respirando fundo, tentando acalmar o coração. 

— Bem vinda, Princesa de Ártemis. — a mulher mais velha lhe recebeu de braços abertos. 

Felíccia se aproximou de Alexandre com um cálice de vinho. Já tinham jantado na presença de alguns membros da corte, mas agora que o palácio estava vazio, ela conseguia se sentir mais em casa, ainda mais com um amigo de seu marido. Apesar de ser alguns anos mais novo que Heri, Nero parecia ter a mesma maturidade e firmeza para governar um reino da dimensão de Ariccia. Sabia que o marido estava mais que certo em entregar Giovanna a ele, melhor do que qualquer outro homem velho e sem escrúpulos que definitivamente destruiria Ártemis em prol do próprio reino.  

— Eu não imaginava que mesmo com o rápido casamento a princesa ainda iria se apegar as tradições. 

— Giovanna é apegada a tudo de seu povo, cada erva e cada tradição. Ela respira esse lugar. — Felíccia falou com certo orgulho, mas sorriu em seguida. — Você não tem muito apego por isso, não é? 

— O reino de Ártemis é o único que ainda coloca os deuses em primeiro lugar, Felíccia. 

— E é por isso que somos abençoados, que tentam nos invadir e não conseguem. 

E ainda assim Heri foi até mim, e não até um templo, Alexandre pensou, mas decidiu ficar calado em respeito a mulher. 

— Minha preocupação é... eu sei que minha filha está nervosa, arredia... por isso te peço: tenha muita paciência com ela, Nero. 

Ouro de Ártemis Where stories live. Discover now