XXXIV

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Nero desenhava as costas dela com seus dedos. Ela dormia de barriga para baixo, os cabelos de lado, o rosto tranquilo. O sol já tinha ido embora, eles não saíram do quarto, descobrindo jeitos não muito convencionais de proporcionarem prazer um ao outro que não corrompessem seu resguardo.

Sentiu o corpo dela se espreguiçando, viu ela abrir os olhos, as velas contornando seu corpo com a luz.

— Já escureceu... — ela sussurrou.

— Já. — ele continuava a acariciar as costas macias.

— Diana?

— Está dormindo, a cuidadora a trouxe faz pouco tempo.

— Ficou acordado todo esse tempo?

Ele sorriu para ela.

— Não canso de olhar para você, poderia fazer isso pelo resto da minha vida. Eu perdi tanta coisa, queria recuperar todo esse tempo.

Giovanna alcançou a mão dele, entrelaçando os dedos.

— Você tem que dormir. — ela falou. — Vou continuar meu banho, fui rudemente atrapalhada mais cedo.

Nero a observou levantar da cama, o corpo nu caminhando até o banheiro. Resolveu dar esse momento a ela, sabia que ela esteve no limite de falar tudo que sentia, e pela primeira vez pensou que seria demais para ela. Deixou ela ir, fixando o olhar no teto até perceber uns barulhos vindo do berço.

Saiu da cama, se aproximou da bacia de água no canto do quarto, lavou as mãos. Se aproximou do berço e olhou para sua filha. Os olhos se encheram de água, como quase sempre acontecia. Pegou ela nos braços, os olhinhos escuros estava atentos nele.

— Você e seu irmão são as coisas mais preciosas da minha vida. — ele falou em um sussurro, vendo como a menina ficou mais calma contra o calor de seu peito. — Não preciso nem falar da sua mãe, não é?

Ele começou a andar pelo quarto, a balançando de modo suave.

— Não pode dormir, tem que comer. — ele falou, cutucando a bochecha dela.

— Você é um ótimo pai. — ouviu a voz de Giovanna atrás dele, se voltou sorrindo para ela.

Ela se aproximou e tomou a filha, já a aninhando para dar o peito. Diana como sempre foi faminta. Nero sentou aos pés de Giovanna, observando esse momento tão íntimo. Atlas nunca teve isso, o cuidado desde os primeiros dias, o carinho de mãe. Não se prolongava nessa melancolia pois agora ele tinha uma mãe.

Mãe leoa, pronta para matar e morrer por ele, disso tinha certeza.

E a recíproca já se provou verdadeira.

— Como foi lá? — a voz dela cortou o silêncio. — Como foi naquele lugar, sozinho, perdido?

Ele a olhou por um instante, acariciando a perna dela.

— No começou eu não entendia muito bem onde estava, nem ao menos se estava vivo. Eu lembro de tossir sangue, muito sangue...uma dor quase insuportável. Depois acho que dormi alguns dias ou semanas. Quando acordei mesmo, comecei a...

— Fala.

— Me bateram algumas vezes, eu estava fraco. Só pararam quando comecei a revidar. — o jeito como ele falou aquela última frase a deixou alerta.

— O que aconteceu?

Nero se levantou do chão, andando de um lado para o outro. Giovanna levantou logo em seguida, tirando Diana de seu peito.

— Não vou falar essas coisa na frente da nossa filha.

— Ela não consegue compreender nada, Alexandre. Fala.

Ela se aproximou dele, tocou seu rosto. Ele tinha a sombra de tristeza como no dia em que ela acordou no navio, algo que ainda estava muito recente.

— Nero, fala. — ela ordenou.

— Matei um deles.

A ideia de que isso estava o torturando a deixava confusa. Alexandre era um guerreiro, naturalmente forte e naturalmente habilidoso. Foi treinado no exército exatamente para isso.

— Você... estava cumprindo um dever. — ela falou confusa, passando as mãos pelos braços.

— Eu não precisava matar aquele cara, Giovanna. Ele já não era já mais uma ameaça, já estava no chão, mas não consegui parar de bater nele.

A revelação da vingança em sua pura forma não a pegou de surpresa. Não seria hipocrita em dizer que não faria o mesmo se estivesse no lugar dele, acuado como um animal, sequestrado pelos inimigos e machucado. A única coisa que sentia por ele era orgulho.

Passou a mão pelo rosto bonito e triste.

— Tudo que você fez foi para sobreviver. Para voltar para mim.

— E é o suficiente? As vezes acho que não, Giovanna.

— Tudo isso porque eu não consigo falar? — ela perguntou um pouco mais agitada. — Se está ruim para você, imagina para mim! Eu sinto que vou me sufocar nessas palavras! Não consigo me conectar com você porque não estou conseguindo falar o que eu sinto e eu morro de medo de você acordar um dia e perceber que sua vida era melhor sem mim!

As palavras agitadas, o jeito como ela o soltou e se afastou, pegando a camisola e se vestindo. Giovanna não olhava para ele.

— Faz o que é melhor pra gente. — ouviu a voz dela baixa.

— O que está dizendo?

— Volte para Aríccia com o Atlas. Vamos... vamos dar um tempo nisso, você não está feliz comigo, eu não consigo ser quem precisa.

Ele ficou encarando suas costas. Nervoso, foi até ela em passos largos. A puxou pelos ombros para olhar para ele, tinha lágrimas escorrendo por seu rosto.

— Giovanna, isso não existe no meu mundo.

— Existe no meu. E eu acho que vai ser melhor assim.

Ele abaixou o rosto até a altura dela.

— Está ficando louca? É isso? O que há? Por que está fazendo isso com a gente?

Ela não respondeu, ele apertou mais seu ombro, a puxou mais para ele.

— Giovanna!

— Por que?

— Você é o sol, Nero. Eu não sei se estou pronta para essa luz, acho que me acostumei com a noite.

— Você não tem que viver nela mais! Eu estou aqui! Por você, pelo Atlas, pela Diana! O que está dizendo? Que eu não vou poder ver a minha filha?

— É claro que vai! Eu jamais faria isso! Mas talvez seja melhor voltar para onde começamos, você como rei de Aríccia, eu como rainha de Ártemis.

Ele a soltou e deu um passo para trás.

— Eu não consigo acreditar que eu estou ouvindo tudo isso de você, não depois de tudo.

— Se afasta de mim, vai ser o melhor para você.

— Você não sabe o que está dizendo. Pelos deuses, você não faz ideia do que está dizendo. Mas se é isso que a rainha quer, ótimo, vai ser como a rainha deseja.

Ouro de Ártemis Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora