Ato III Christian - Dez meses depois

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Depois de muito trabalho, a casa está quase concluída. O Cody quis que ela ficasse de frente para a praia, e a jangada também quase pronta. Ele mudou muito durante esses dez meses, está mais maduro, e já está expert em sobrevivência. O meu Jacob está cada vez maior, já deu seus primeiros passos, daqui a pouco está falando. O que me entristece é que Ana não está presente na evolução dele, mas em breve sairemos daqui. Mesmo perdendo muito tempo na construção da casa, espero que Cody mude de ideia e decida nos acompanhar.

Agora estou caçando nosso almoço, prometi que mataria aquele maldito javali, montei muitas armadilhas, mas nenhuma foi capaz de capturá-lo. Peguei alguns pássaros e ratos, comemos até cobras, o que fez o Cody vomitar ao descobrir o que era, uma cena muito engraçada. Acordei bem cedo, determinado a matar aquele javali, e não voltarei para o abrigo sem ele.

Nas tardes, alternamos entre a construção da casa e da jangada. Uma semana dedicada à jangada, e outra à casa. De manhã decidimos o almoço, antes do pôr do sol deixamos tudo preparado para a fogueira, e conversamos, brincamos com o Jacob e depois dormimos. Esse é o resumo dos dez últimos meses. E a cada dia sinto mais falta de Ana, de seu sorriso. Nossa filha ou filho certamente já nasceu, e eu estou perdendo tudo isso. Lembro de quando ela estava grávida do Jacob, não queria sair de perto dela, fazia todas as vontades sem reclamar.

Segui os rastros daquele porco que Cody apelidou de Nathan, decerto pela rivalidade que tivemos, e agora parece que minha nova rivalidade é com o porco, até faz sentido. Estou com meu facão e uma lança que eu fiz.

Ele está comendo algo, junto aos filhotes, mas não serei sentimental, de hoje não passa. Eu me aproximo dele, quando sou surpreendido por uma cobra em uma árvore, o que me faz recuar, caindo nas rosas.

— Merda. — Caí em meio aos espinhos das roseiras.

E o javali foge com os filhotes.

— Droga. — Tirei um a um os espinhos, mas minha visão começa a ficar embaçada e vou perdendo os sentidos pouco a pouco, até cair. Não sentia dor, ao contrário, era uma sensação boa e acabo dormindo como não fazia há meses.

— Ei, filho, acorde. — Escuto uma voz familiar, parecia a do meu pai quando me acordava para ir à escola.

— Ah, pai, só cinco minutinhos — peço, quando tudo fica um silêncio e abro meus olhos lentamente, e percebo que ainda estou na maldita ilha.

Levanto-me ainda com muito sono e olho ao redor. O javali realmente fugiu. Ouço um riso infantil.

— Jacob? — pergunto.

Quando olho para o lado, vejo uma garotinha de vestido de bolinhas com tranças de Maria Chiquinha, e ela sai correndo. Vou atrás dela. Merda, estou em mais um dos meus pesadelos. Aquela garota, com certeza, é a Julia.

— Espere, Julia — falo tentando fazê-la parar.

Mas isso é muito estranho, eu sei que estou acordado, sinto o calor do dia, minha respiração cada vez mais ofegante, o suor a cair pela minha face, o corpo ficando cansado.

Fico cada vez mais lento, tento falar, mas não sai nada. Lembranças surgem em minha mente como flashes. Ana, Jimmy, Emilia, Julia e o Cody segurando o Jacob. Parecia realmente estar em um sonho, e tudo acabaria quando acordasse, mas sabia que não seria tão fácil. Corro desesperado quando tudo parece ter chegado ao fim. Caio de um penhasco e seguro em um cipó. A Julia sumiu, olho para baixo e vejo o mar cheio de pedras. Se cair, será o meu fim.

Seguro fortemente no cipó, minhas mãos começam a sangrar, meu corpo por algum motivo está muito fraco, é a segunda vez que fico entre a vida e a morte, algo me diz que ela está chegando, ou eu estou fugindo dela. Sei que gritar por socorro deixará minha morte ainda mais idiota, porque o Cody está há uns três quilômetros daqui.

Vidas entrelaçadas - Uma luz diante das trevas Ato 1Where stories live. Discover now