Capítulo 1

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Ele entrou silenciosamente no quarto, com passos abafados pelo barulho da tempestade de verão.

Levantou a faca, hesitando somente para se deleitar com o rápido flash de luz do relâmpago, que iluminava o rosto aterrorizado de sua vítima, quando...

— Alfonso, eu preciso de sua ajuda!

Alfonso Herrera xingou. Duas vezes. Sua vizinha. Violeta Bracho, uma daquelas pessoas que precisa de favores, como chocólatras precisam de chocolate, estava em algum lugar no andar de baixo.

Interrompendo. Novamente.

— Estou trabalhando, Sra. Bracho. No livro — disse alto.

— Eu sei — respondeu ela, aumentando o volume da voz, enquanto subia as escadas. — Mas eu tenho...

— Estou perto do prazo de entrega — gritou.

Na verdade, já tinha passado do prazo.

— Mas você tem que...

— E se eu for atrapalhado, perco minha concentração. — Já havia dito isso mil vezes, mas ela ainda entrava sem ser convidada. E a culpa, era dele mesmo. Esquecera de trancar a porta depois de pegar o jornal esta manhã.

Precisava de um cão de guarda. Bem grande.

Ah, diabos. Não faria diferença. A escrita dele era uma droga, com ou sem cachorro.

Já perdera o prazo, irritara seu editor, quase destruíra sua própria carreira.

O que mais poderia dar errado?

— É uma emergência — disse a Sra. Bracho, colocando a cabeça e o cabelo cacheado para dentro do escritório e do campo de visão de Alfonso. — Sei que você pediu para não ser incomodado, mas estou desesperada, Alfonso. Desesperada. Você disse que, quando eu precisasse, me ajudaria.

Semana passada, ela também se desesperara quando precisou de açúcar para fazer um bolo de framboesa. E, na outra, quando precisou trocar uma lâmpada. Na semana anterior, ela chamara-o quatro vezes em um dia porque tinha certeza de que o barulho que ouvia na janela era de um intruso.

— Tentei ligar — disse ela. — Por dez minutos

— Desliguei o telefone. — De propósito, adicionaria, mas isso a ofenderia. E ainda diria que ela é a razão pela qual desligara o telefone.

Ele gostava da Sra. Bracho. Tinha aquela aparência de avó, um arsenal aparentemente interminável de biscoitos e bolinhos e jeito de mãe coruja, mas esse pacote vinha equipado com uma tendência de aparecer repentinamente, precisando de algo a cada minuto. E Alfonso realmente precisava terminar este livro, pois ele estava atrasado.

— Desculpe incomodá-lo novamente, Alfonso, mas, dessa vez, realmente preciso de você. Minha irmã...

O rosto dele corou. Seu estômago se contorceu algo lhe dizia que isso não era uma lâmpada ou algo muito alto numa prateleira.

— Minha irmã teve um ataque cardíaco e... — Ela levou a mão à boca. Os olhos azuis encheram-se de lágrimas.

Um sentimento de arrependimento apoderou-se de Alfonso, ele ficou de pé num salto, foi até a mulher e ficou ali, impotente, nem como amigo, nem como desconhecido.

Naquele limbo de vizinhos, distantes demais para um abraço. Não que ele fosse do tipo que abraçava.

— Sinto muito, Sra. Bracho. Precisa de carona até o hospital?

— Não. Mas preciso que você... — Ela sorriu esperançosa —... Cuide de Sabrina.

— Sabrina?

— Sim. Ela está dormindo no andar de baixo. Todas as coisas dela estão lá. — E começou a ir embora.

PAPAI POR ENCOMENDAWhere stories live. Discover now