01 - A chegada

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O monotrilho cruzava a planície em altíssima velocidade exibindo seus jatos em plena potência. O multicolor expelido pelos belos, incontáveis e terrivelmente tóxicos gêiseres completavam a paisagem árida e escaldante, motivos mais que suficientes para se pensar em usar modelos mais novos, silenciosos e seguros.

Não vou perder muito tempo com apresentações, caros leitores, algumas personagens dessa história já lhes foram devidamente apresentados em outras narrativas. Nesta nova jornada convido-os simplesmente a conhecê-los um pouco mais.

O primeiro é Palmer, tornou-se membro do ADM após aquele probleminha com os caçadores de recompensa, lembram? Bom, ele está encrencado novamente, sua atração pelo desconhecido o levou diretamente ao interior nostálgico de um daqueles vagões.

De todas as situações que já havia enfrentado na vida, aquela era certamente uma das mais entediantes. Vez por outra máscaras se despencavam da parte superior da cabine aliviando-o do pouco conforto que restava. Palmer imaginou que aquela era uma adaptação grosseira de algum sistema aeronáutico rudimentar posto alí mais para irritar do que qualquer outra coisa. Até aquele instante as únicas coisas a despertar seu interesse eram elas. Sim, precisava respirar, afinal, mesmo com as adições o sangue que corria em suas veias ainda era em grande parte humano. O fato é que sempre que as máscaras caíam, aquela voz mecânica irritante vomitava palavras irreconhecíveis aos seus ouvidos, para sua mente esse sim era um doloroso exercício.

As cicatrizes talhadas no corpo ardiam, mas também o transportavam para o tempo onde lhe foram causadas, lembrava-se das conversas nada amigáveis com tipos que queriam insultar sua genitora, das vezes em que a melanina em sua pele o tornava alvo de bullying e aquilo o deixava irritado. Ele não gostava muito de comentar o assunto, então, ao ser questionado a resposta limitava-se a um simples: "devia ver o outro cara."

Naquele momento, apesar de seus vinte e poucos anos, aparentava ter bem mais por causa do semblante abatido. Mantinha seus olhos fechados enquanto se esforçava para entender o significado daquelas palavras.

"Mas que raio de língua é essa?", pensava. Em sua mente pairava uma única imagem, o belo rosto de sua namorada. Acaso ela estivesse alí num piscar de olhos lhe diria o significado de todo aquele blá blá blá. Parou de pensar, a simples lembrança de suas feições o deixava excitado, era até um pouco vexatório, naquele estado ficava impossibilitado de tomar qualquer decisão racional.

O simples fato de não pensar na voz já lhe ajudava a ter ânimo para prender um pouco mais a respiração. Sua única preocupação? Seria mesmo oxigênio saindo daqueles tubos? A saída foi esconder o rosto atrás de uma delas e torcer para que o jato do que quer que fosse maltratasse menos suas narinas do que os gases expelidos pelos Gêiseres. Colocou. Alívio. Oxigênio para dentro, gás carbônico para fora.

- Que bom - disse ele a si mesmo tentando não rir -, torci pra não ser sulfeto de hidrogênio.

Após um minuto de silêncio aquela rotina lamentável se repetia trazendo consigo o vazio deixado pela ausência das máscaras que se recolhiam automaticamente. O rapaz franzia o cenho até seus nervos quase se partirem, mas a ladainha continuava. Sentia como se estivesse recebendo uma admonição enquanto alguma informação de importância suprema estivesse sendo arrancada de sua mente, só o fato de não se lembrar de como havia ido parar naquele transporte já lhe parecia indicação suficiente disso, suas pernas estarem presas por elos fotônicos ele prometia deixar passar, encararia apenas como mera coincidência. Só que não.

À sua direita, sobre um balcão havia uma pulseira dourada, caracteres indecifráveis talhados no metal envolviam-na completamente.

O projetista responsável esqueceu-se de deixar espaço para janelas ou portas, mas estranhamente ondas elétricas percorriam vez por outra as paredes, piso e teto do vagão, talvez um erro de projeto, sabotagem, vai saber. Alguns desses raios pareciam se solidificar. Ficaria impossível transitar sobre o piso metálico em instantes sem furar os pés. Ele parou seus olhos repentinamente em uma das laterais e viu que ela era um pouco maior do que se lembrava pois agora davam a impressão de ter outras pessoas por perto. Era como se seu cérebro estivesse lutando para sair de uma hipnose ou sonho, mas não, definitivamente estava bem lúcido, o único sonho possível para ele era o de poder estar com Lúcia todos os dias pelo resto de sua vida. Sempre que pensava nela, seu coração se acelerava. "Um dia vão precisar de você...", pensou.

Acesso IrrestritoWhere stories live. Discover now