16 - Colaborações

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Contrariando as expectativas de Victor e Ulisses, o novo Rei do formigueiro se mostrou feliz ao vê-los, aquele foi um exemplo bem claro para a frase "sua reputação a precede". De fato não somente evitara a extinção de espécies, ela havia feito amigos para toda uma vida.

— Danau, os caras vieram mesmo! Acertou outra vez irmão.

Ulisses havia até feito uma lista imaginária enorme de frases para dizer ao Rei para convencê-lo a ajudar. Mas diante da facilidade de comunicação tratou de esquecer. Aquele formigueiro era diferente de todos os outros. As decisões que poderiam afetar toda a colônia eram sempre discutidas de todos os ângulos possíveis e o Rei agia como um desempatador. Quando Victor e Ulisses chegaram, a intenção era apenas alertá-los para o resgate em massa proposto por Nara, mas devido ao fato de que a evacuação estava incompleta, a decisão de ajudar foi unânime.

— Nara, se fosse uma formiga, seria nossa rainha — disse Danau —, mesmo entre nós jamais alguém fez tanto pela colônia quanto ela. Só estamos aqui agora por conta de seus esforços.

O novo Rei olhou para Danau como se aquelas fossem palavras que ele mesmo diria.

— Calma ai amizade, desse jeito não vai sobrar nada para o Rei falar. — disse o Rei dos formigóides. — Não me acostumei ainda a ser Rei, parece que fui coroado hoje.

— Você foi coroado hoje.

Ulisses ouvia aquele diálogo com um ar estranhamente familiar, os dois eram amigos e a amizade entre eles assemelhava-se à amizade dele com Nara, ou à de Victor e Zira. Pensando nisso fez a pergunta mais lógica possível :

— Vai nos ajudar.

— Pensei que não ia mais perguntar coroa! Claro que vamos! Cooperação é o que nos mantém vivos.

— Como podemos chamá-lo? Eu penso que o título deve ser pronunciado com um nome para que não pareça desrespeitoso.

— Pode me chamar de Antony, na verdade esse nome foi dado a um amigo que deu sua vida por um bem maior e eu pretendo fazer uma formigagem a ele.

— Certo então, Rei Antony — disse Ulisses enquanto tentava se lembrar onde havia visto uma formiga com esse nome.

Antony começou a vibrar as antenas e em alguns instantes centenas, talvez milhares, de formigas começaram a se aglomerar a seu lado, fez um pequeno discurso e elas saíram em disparada em todas as direções, deixando o formigueiro completamente vazio.

— Não deixará nenhum soldado de guarda? — perguntou Victor.

— Não, esse formigueiro não terá mais serventia depois dos acontecimentos de hoje.

— Entendo. Mas o que disse a elas?

— Disse que a missão de Nara era a nossa também e que precisávamos cumpri-la.

— Parece que sabe algo que ainda não sabemos, pode explicar?

— Que nada, ficamos sabendo um pouco antes de vocês chegarem. Os cipós nos avisaram. D'Rhash Ant'au, essa seria uma boa hora para testar suas asas.

— Eu temia que dissesse isso.

— Vai lá, tenta, Nara vai ficar feliz em ver seu progresso.

— Sim, meu Rei, vou tentar, na verdade andei treinando.

— Manda ver garoto!

Ao pedir que Danau tentasse abrir suas asas Antony também revelou as suas. Eram bem grandes, Victor tentou se lembrar se vira algum aspecto fisiológico de suas novas amigas que pudesse sugerir a presença de asas, mas não, não se lembrou de nada.

— Sei o que está pensando, mas lhe asseguro que elas não existem até que sejam necessárias. — Disse Danau — suba, vamos fazer um teste.

Ulisses lembrou-se então de onde vira aquela história que o Rei contara sobre o porque escolheu aquele nome. Algo sobre um herói que podia encolher ficando analogamente do tamanho de uma formiga da Terra.

O Rei Antony colocou em movimento suas asas, Ulisses nas costas. Alçou voo. Danau fez o mesmo com Victor.

Antes que pudessem sugerir um destino o Rei comentou que os cipós disseram algo sobre uma máquina muito grande correndo em um único trilho, e que dois jovens seguiam para lá.

— Devem ser Marcos e Palmer, sei onde podemos encontrar esse trilho — disse Ulisses — mas chegando lá não terei como informar a direção que tomaram.

— Deixa essa parte conosco. Não deve ser difícil seguir o cheiro de vocês.

— É que ... calma aí, o que tá querendo insinuar? Eu tomei dois banhos essa semana.

— Tu o disseste...

Longe dali um vórtice toroidal triplo materializou-se, posicionado estrategicamente sobre a atmosfera do planetoide e uma pequena esfera surgiu de seu interior. Era SOFIA, que chegava, pronta para executar a segunda metade de sua tarefa primária.

O vórtice se desfez e a nave começou o processo. Nunca em sua longa jornada seus sensores haviam escaneado um planetoide tão singular. Daquela distância ela podia "ver" bem, não se tratava de um único planeta e sim de um cinturão de asteróides, interligados por uma espécie de energia residual super acelerada, orbitando um buraco negro.

Não havia estrelas naquele universo, aliás, o único rastro do que aparentava ser era representado por uma fina linha amarela em forma de espaguete que se estendia até a borda, seus restos estavam sendo puxados para o interior do buraco negro. A luz percebida na superfície era proveniente do disco de acreção. Percebia-se que a energia mantinha os asteróides numa espécie de ligação cósmica, esse efeito podia ser observado nitidamente em uma construção que mais se assemelhava a uma rede de ferro retorcido, mas os leitores sabem que ali só havia uma linha férrea e bem na extremidade um portal sinalizando a última parada do expresso de Lord Quartzon.

Durante o percurso a pulseira de Ulisses soou, era Nara, declarava o término de sua tarefa e precisava juntar-se aos outros.

Danau foi rápido em vibrar suas antenas solicitando a missão extra para si, mas o Rei Antony pediu calma, ele era menos experiente e teria dificuldades em voar com dois a bordo. Danau ficou triste, mas conhecia suas limitações.

— Tenha paciência garoto, logo vai rever sua amiga, leve Victor até a borda daquela linha férrea e nos aguarde.

Ulisses segurou firme pois Antony executou um loop de 180 graus que os deixou de ponta cabeça seguido de um giro lateral para voltar à posição normal.

— Um pouco de aerodinâmica viria a calhar. — comentou Antony.

Ulisses pensou em algo naquele sentido e seu nanotraje respondeu fazendo alguns ajustes e dando lhe um capacete pontiagudo.

— Bem melhor.

O Rei Antony mergulhou trocando altitude por velocidade e em outras vezes valendo-se das correntes de ar que o impulsionavam ainda mais rápido. Em aproximadamente meia hora Nara foi avistada e subia a bordo. Tratou logo de perguntar por D'Rhash Ant'au, enquanto seu NT se modificava para um perfil mais adequado ao vôo.

— Ele deve ter ficado triste por não vir pessoalmente me buscar, mas era necessário ele tem pouca experiência de vôo.

Nara conhecia o garoto bem mesmo, foi capaz até de antecipar o que ele diria quando se encontrassem.

— Certas amizades são mesmo para uma vida inteira — concluiu Antony enquanto se aproveitava da gravidade para ganhar velocidade.

D'Rhash Ant'au estava ficando cansado e Victor pulou de suas costas para aliviá-lo da carga e usou seus propulsores sônicos para manter a altitude. A velocidade caiu pela metade. Avistaram ao longe a monolinha. Minutos depois os dois pousaram. O garoto formiga colocou mais uma vez suas antenas para funcionar. Em poucos instantes foi capaz de dizer em qual direção Palmer e Marcos seguiram.

— Meu Rei é muito rápido, logo ele, Nara e Ulisses irão nos alcançar.

Victor entendia os sentimentos de Danau por Nara, ele sentia o mesmo por Zira, mas nunca diria isso pra ninguém.

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