Capítulo 10

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Foi instantânea minha reação. Apenas recuei alguns passos em completo reflexo, como se a portadora da notícia viesse a ser a culpada de tudo, a culpada da morte de uma criança, uma bela menina de 10 anos. Coitada...

Eu pensei em acenar com a cabeça e partir para casa, mas lembrei que eu estava ali para ficar com Mathew, e é com ele que eu ficaria.

- Onde ele está? Como ela... Morreu? - sussurrei entre os nós em minha garganta.

- Ela estava com uma pneumonia fortíssima... Mathew e sua mãe foram com o corpo para o Instituto de Medicina Legal. - disse a empregada.

Eu realmente não estava raciocinando muito bem, poderia ser a fome, mas aquilo não parecia ser verdade... Eu brinquei tantas vezes com Mindy, eu e Mathew ajudávamos a menina a montar seus quebra-cabeças, e ligeiramente brincávamos junto dela e suas bonecas.

O IML era muito longe, e eu pensava em como chegaria rápido lá, minha mãe não teria como ajudar. Eu tinha uma bicicleta, talvez fosse o bastante para chegar lá a tempo de conseguirem a Declaração de Óbito, ou o que mais fosse necessário. De longe eu podia sentir que Mathew precisava de mim, pois Mindy era a única pessoa de sua família com quem se importava de verdade, e com certeza ficou mais chocado do que eu havia ficado.

Me despedi da empregada assim que percebi que havia permanecido um longo período de tempo apenas encarando o nada, e corri de volta para minha casa, deixando que os pensamentos ruins se esvaíssem de minha mente permanecendo suspensos no ar. Chegando em minha casa, retirei a bicicleta da imunda garagem repleta de tranqueiras, a bicicleta que Mathew havia me dado de aniversário de 15 anos - pra mim, a bicicleta sempre foi algo que representasse muita coisa, como um bom amigo que você faz e nunca esquece... Assim é andar de bicicleta.

Pelas ruas, deixei que algumas lágrimas escorressem ao vento por Mathew que deveria estar se lamentando e contorcendo-se pela sua perda, o que não adiantaria muito agora que tudo estava feito. O pneu chiava diversas vezes durante as curvas, os pedais chegavam a escapar de meus pés de tão veloz que alcancei na corrida, e logo comecei a transpirar por consequência disso. O percurso durou cansativos minutos, e finalmente cheguei no devido local, onde tive que apresentar-me como membro da família Russel, tendo como o delicado chamado da Sra. Russel, que por gentileza, deixou-me comparecer.

Lá estava ele, sentado numa cadeira preta de plástico, de cabeça baixa e mãos entrelaçadas observando seu calçado, tudo nele parecendo triste e atraente. Sua franja de dias sem cortar caía sobre seu rosto, provavelmente não me viu até que eu me aproximasse, e notando minha presença colocou-se de pé em um pulo, me agarrando num abraço fraterno.

Lágrimas foram inevitáveis, lágrimas quentes de dor que caíam sobre meu ombro, palavras em forma de carinho e sentimento. Meus braços eram as ondas em seu oceano, e tudo parecia desmoronar ao nosso redor naquele momento.

- Você veio... - balbuciou ele em prantos.

- Não deixarei você cair novamente. - falei ao seu ouvido ainda abraçados.

Ele não queria falar, nem queria sentir, queria apenas que aquilo passasse. Eu o compreendia...

- Eu devia ter cuidado dela... - dizia ele se soltando de mim - Eu nem sabia que ela estava doente... Minha mãe escondeu isso de mim. Eu poderia ter ajudado ela a melhorar!

- Psiu... Fique calmo. - falei - Logo tudo isso será lembranças, não foi culpa de ninguém.

- E-eu... - sentou-se e cobriu o rosto com as duas mãos.

Permaneci sentado ao seu lado durante toda a sessão que sua mãe demorou para conseguir a Declaração de Óbito, numa sala ampla e escura, contendo algumas dúzias de pessoas. Assim que a Sra. Russel voltou com os documentos preenchidos e assinados, ajudei Mathew a se levantar.

- O enterro vai ser daqui a três dias. - por mais que a Sra. Russel contivesse seus sentimentos, estava em seu olhar, descrito em seus pequenos olhos, que naquele dia sua filha morrera e deixara uma enorme ferida em si.

Seguimos à diante, em direção ao dia de amanhã, pois para nós, este já havia acabado e não havia mais o que acontecer. No carro, me despedi da Sra. Russel que entrou apressadamente, e deixei em Mathew apenas um singelo abraço que não nos satisfez.

Com minha bicicleta pude voltar mais calmo, sabendo que Mathew tinha em sua mente aquela que nunca sairia de nossas vidas por completo, e que logo ele se recuperaria - eu esperava. Em casa tudo foi um total silêncio após a notícia da morte de Mindy, e minha insônia apenas aumentou, fazendo eu permanecer desperto sem estar a conversar com ninguém.

Diversos pensamentos foram bem-vindos e mal-vindos durante a noite, e tudo em mim parecia estar em chamas, uma completa explosão de luz que fazia-me sentir uma tocha dentro de uma caverna escura. Tentei não pensar em nada - o que foi em vão - , então apenas me concentrei em meu corpo, e pensei nas coisas que tocavam minha pele: a delicada fronha do travesseiro; o colchão sobre minhas costas; e o leve tecido do pijama.

Insetos minúsculos passeavam pelo meu quarto, alguns batiam sobre os móveis, eram poucos mas eu os notava muito bem na escuridão. Virei-me para o lado tentando observar eu e Mathew juntos como ontem à tarde, mas a cena estava distorcida, eu via apenas Mathew abraçado à Mindy. Ambos usavam roupas brancas, e ela uma coroa de flores sobre o longo cabelo.

E de súbito, uma luz atormentadora surge do meio das trevas e permanecia em meu quarto, o que me doeu os olhos. Era meu celular sobre a mesinha ao lado da cama, alguém deveria ter enviado-me uma mensagem.

"Estou ficando louco. Não posso viver sem ela. Agora só tenho você... Parcialmente" era uma mensagem de Mathew. Imaginei-o deitado em sua cama sobre um desvio de lágrimas, forçando-se a digitar.

"Parcialmente?", respondi.

"Não poderemos ficar juntos até sairmos dessa cidade... Meus pais não deixarão me relacionar com você", retrucou ele.

Pensei apavorado. Por mais que eu havia tentado esconder Mathew esses dias de meus pais, mesmo que eu não quisesse que eles descobrissem sobre nossa relação, um dia eles descobririam e não ajudaria em nada.

Ninguém está a favor do amor.

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S.L.M (Romance Gay)Where stories live. Discover now