Capítulo 40 - Final

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O vento é forte aqui em cima, tão poderoso quanto a vontade que tive de correr as escadas e passarelas até aqui. É abatedor, é acompanhado de uma visão totalmente nova da cidade em que vivi todos esses anos, e me faz puxar o máximo de ar possível para meus pulmões.

Vejo o topo de tudo daqui, e mesmo assim me sinto mais sozinho do que nunca. O céu parece alcançável e imprudente, magnífico do jeito que toda a natureza foi.

Bem, é hora de pensar uma última vez nas coisas que já fiz.

Para começar com o dia em que fugi com Mathew pelas ruas adormecidas e luzes noturnas como guardiões, para vir aqui neste mesmo lugar. Ainda ouço as vozes de Mathew, e sinto-me horrível por ele estar onde quer que esteja, relembrando a imagem do beijo que Doug me roubou.

Tive meu primeiro jantar com Mathew, depois de um dia bem confuso e depois de finalmente beijar a boca dele. Tudo que eu sempre quis.

Fomos capazes de nos unirmos, entrelaçando nossas células, como correntes indestrutíveis, ao perdermos a virgindade. Juntos. A coisa mais doce e arriscada que já fiz, com o incomparável toque de prazer.

Não posso esquecer de minha mãe, que se preocupou tanto comigo, e me olhou com amor. Um dos momentos mais felizes foi quando ela me aceitou, mesmo que não tivéssemos uma relação muito íntima. Eu quero agradecer muito por ter ficado comigo, e me fazer sorrir quando pôde, sendo mais que uma mãe.

A noite em que fui com Mathew para a balada pode ser lembrada como a melhor e pior noite. Mas foi incrível, vê-lo sobre as luzes fugazes, sorrindo, como se dissesse: estou feliz em tê-lo aqui comigo.

Sem falar no espírito que eu vi. Tão surreal quanto esta paisagem infinita que está se perdendo no horizonte. Poderia eu ajudar outras pessoas que morreram?

Não importa mais. Preciso tomar esta decisão.

Veja como é linda esta tatuagem, reluzindo com a luz do pôr-do-sol, ainda encobrindo as cicatrizes que nunca poderei esquecer. Vejo Mathew caminhando com a sua bicicleta, tão pequeno quanto ela própria, prestes a cair no chão - lembro como se fosse ontem.

Porém, diante de todos esses sonhos e sagacidades que cometi, eu me sinto complexado em não poder terminar de me formar. Não poder subir em um palco ao saldar de várias palmas, recebendo na minha mão o certificado, e nunca mais ver o rosto de Amy, Tony ou minha professora favorita.

O barbeador que tanto aguardei usar ficará intacto, abandonado no fundo do armário do meu banheiro, aguardando para retirar os pelos indecentes que um dia aguardei que  nascessem.

O tempo é tão cruel quanto as pessoas. Mal pude tirar minha carta de motorista - mas isto nem era um desejo tão forte, já que prefiro pilotar uma bicicleta.

Sinto muito, Tony. Não assisti aquela saga que você me deu de presente, e espero que não haja ressentimentos, afinal, ainda quero que você a veja. É toda sua.

Nem me dediquei em conseguir um trabalho. Sou jovem demais, não é mesmo? Queria mais tempo com quem eu amo, mas vejo que estraguei tudo com meu namorado, além de ser ridicularizado na escola, e sofrer preconceito na minha própria casa.

Nunca estive seguro na verdade. Como poderia eu me casar um dia? Teria que ser mais infeliz e fingir confiança e compatibilidade com uma mulher. Cresci imaginando morar em uma casa de três andares, mas agora está completamente fora de meu alcance. Ter filhos? Nem pensar...

Nunca poderei segurar uma criança em meu colo e dizer que o amo.

Merda! Para de chorar, Shawn.

Queria pelo menos uma vez ter ficado bêbado, mas eu nem sequer botei um gole de álcool na boca. Eu devia ter aproveitado mais.

Mathew, me perdoe! Mas eu não pude cuidar de mim mesmo, no fundo eu sempre fui muito inseguro, e agora estou desistindo já que não tenho mais você.

Achei que pudesse organizar meus pensamentos, mas não sou capaz de nem...

- O quê você está fazendo aí? - ouvi.

O quê? Quem disse isso?

Movi a cabeça rápido para os lados, e sentada na beirada do edifício estava uma garota, de meias compridas e levemente escurecidas, calçando sapatinhos pretos que combinavam com seu curto vestido de babado. As mechas amarelas lhe caíam pelo ombro, cobrindo parcialmente seu decote.

- Você vai pular daí? - perguntou a menina.

- Não sei. - respondi.

Ela continuou me olhando, enquanto balançava as pernas para o lado de fora.

- É muito lindo aqui em cima.

Ela virou o rosto para toda a cidade que se escorria para a imensidão, e voltei minha atenção para a minha frente, andando alguns passos para mais perto da ponta.

- Foi difícil subir aqui? - exclamou ela novamente. Não respondi, olhei-a  apenas.

- O quê você faz aqui?

- O mesmo que você? - respondeu. - O motivo foi a morte de meus pais.

Continuei a observar alguns carros e pessoas que se moviam nas ruas, tão distantes que se tornavam indistinguíveis um do outro. Eu com certeza ainda não havia sido notado, mas o alarme do edifício ainda soava, quase como uma sirene, alertando que o prédio havia sido invadido.

- Usei um pé-de-cabra. - falei. - Corri mais de dez andares, por portas que nunca havia visto. E logo a polícia deve aparecer.

De repente notei a presença da garota que saira do meu lado esquerdo para a minha direita, e desta vez em pé. Ela se aproximou, querendo cochichar algo em meu ouvido, mas ainda estava uns passos distante.

- Você não pode pular. - eu fechei os olhos e respirei profundamente. - Você foi importante para muita gente.

- Eu não sou mais.

Subi o último degrau.

E senti o pavor me atingir no peito, ao olhar tudo lá embaixo, como a sensação do fim de um livro. Abaixei a cabeça e fitei a imagem de meus pés ainda doloridos de todo o caminho que percorri, escondidos pelo meu All Star vermelho e quase tão acabado quanto eu; e logo adiante todo o Seleiro e suas histórias.

- Quem é você? - perguntei à menina, ainda atrás de mim.

- Eu sou Carina. - revelou a voz.

Me virei de costas. Vi que não havia mais ninguém além do que eu. Encarei a porta de saída que me levou até aqui em cima.

Desci do degrau e corri até ela. Ao alcançá-la, toquei a ponta de meus dedos na superfície da porta enferrujada, e meu voltei.

Tomei impulso para correr até a ponta, colocando muito força sobre o pé que pisei no degrau, para me lançar mais adiante.

Queda livre.

Tudo o que eu sinto é meu coração batendo acelerado, e a culpa me socando o rosto, acompanhado da ventania que está atingindo meu corpo.

Continuo caindo e vejo tudo se aproximando muito rapidamente.

Não posso me arrepender.

A última imagem que verei é o vulto da estufa onde estive com Mathew e desenhei um coração em sua superfície.

"Um dia nossa música nunca irá parar."

Mas ela parou.

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______SHAWN LOVES MATHEW______

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⏰ Last updated: Dec 14, 2016 ⏰

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S.L.M (Romance Gay)Where stories live. Discover now