Capítulo 14

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Arranjamos lugares confortáveis para nos sentarmos ali mesmo no Seleiro, para acompanhar o conto da Sra. Gelenberg, mesmo que algumas partes estivessem úmidas da chuva de manhã. Eu me sentei com Mathew num espaço seco no solo de concreto, Amy sentada entre nós e a Sra. Gelenberg, e Tony de frente para ela e Amy - formando quase uma roda.

Havia algumas barras de metal que a Sra. Gelenberg usou para se sentar parecendo à nossa altura, e segurando sua bengala sobre a parte superior com uma das mãos, ela nos encarava. Então começou a falar quando o silêncio parecia atormentador:

- As flores sempre foram delicadas e compreensivas - olhávamos para ela com atenção - Isso todo mundo sabe. E por essa questão, de eu não ter amigo ou amiga algum, convivi com as flores durante anos. Eu as plantava e as tratava com carinho, expandindo cada vez mais o jardim de minha mãe para que coubessem mais flores. Eu falava com elas, pois elas eram minhas únicas companheiras, e nunca me senti sozinha.

Alguns olhares de surpresa surgiam a respeito do comentário. Mas ela prosseguiu.

- A casa onde eu morava com meus pais era dividida das outras por uma cerca maior do que eu, e muitas vezes, me batia uma curiosidade de espiar por cima destas cercas. Eu simplesmente apoiava meus ouvidos contra a madeira e tentava captar algo que viesse do outro lado, e sempre me vinham vozes. - ela continuava lentamente a história, com sua voz serena de pessoa idosa - Eu saía poucas vezes de casa, para ir a frente do portãozinho de ferro, vendo algumas garotas que corriam pela a rua, algumas corriam de mãos dadas com outras. Eu queria ter alguém como elas. Para mim elas pareciam flores, pareciam enormes e falantes flores.

Uma brisa gostosa percorria o espaço entre nossas cabeças, e pude sentir um leve aroma de rosas, que parecia vir da própria mulher que agora falava sobre suas flores.

- Mas continuei a cuidar de minhas belas flores, raramente saindo para ver as meninas que ficavam na rua. - continuava ela. - Um dia que eu ouvi risos e vozes baixas, resolvi sair e ver o que elas estariam fazendo. Mas não havia ninguém naquele dia, eu fiquei em pé no gramado esperando que alguém surgisse de trás de uma árvore ou arbusto. Olhando distraída para alguns lugares, eu senti alguém me tocar o ombro de leve, e me virei rapidamente para ver quem era. Novamente não havia ninguém. Mas continuei a sentir os toques em meu ombro, que me faziam rodar em volta de mim mesma a procurar por alguma coisa, e esperei que me cutucasse novamente. Os toques continuaram, e falei: "Você quer brincar de tocar?". Então eu corri pelo gramado e pela rua, sentindo leves cócegas, e algumas mais concretas que outras, foi muito engraçado tentar fugir de alguém que não podia ver.

Todos prestavam atenção na voz da senhora. Parecia interessante, mesmo que não fosse verdade.

- Naquele dia em diante, os toques começaram a aparecer com mais frequências. Às vezes eu até ria, mas muitas vezes os toques vinham em momentos impróprios, como: no jantar, sentada a mesa; na hora de dormir; e até quando eu estava cuidando de minhas flores. Quando eu tinha uns nove anos, os toques começaram a ficar ocasionais, e eu comecei a evitar achando que poderia haver algo de errado comigo. Mesmo com medo de ficar louca, ou ser internada, iniciei uma base de pesquisa sobre o assunto, indo em bibliotecas. As minhas saídas frequentes para a biblioteca resultaram em um amplo conhecimento, de assuntos e de pessoas, que acabaram se tornando amizades. - Ela deu uma curta pausa, e logo prosseguiu - Descobri que o que me fazia cócegas, era um espírito, que deveria estar aprisionado na minha rua, ou até mesmo na minha casa. E com isso, comecei a entender que espíritos também são pessoas como nós, e que as pessoas também se tocam em alguns momentos.

Nesse instante, percebi que Mathew virara seu rosto em minha direção, então eu o olhei também, e com os braços cruzados unimos nossas mãos, sentindo que um aquecia o outro.

- Creio que foi isso que aquele espírito quis me mostrar. Pois logo após eu ter feito amizades saindo de casa, e compreendendo a razão de ter uma pessoa importante na vida, esse espírito sumiu. Nunca mais senti seus toques, mas encontrei alguém que o pudesse substituir: Adam Gelenberg. Ele foi meu primeiro amor, meu primeiro namorado, e meu primeiro noivo.

Percebemos que o tempo passara, e que a temperatura já havia abaixado demais, trazendo consigo uma leve geada e flocos de neves que começaram a incomodar.

- Bem, crianças! - dizia a Sra. Gelenberg. - Logo começará a nevar e, vocês deveriam se apressar a voltar para suas casas. Podemos continuar a história em um outro dia se quiserem.

- Creio que sim, Sra. Gelenberg! - respondeu Amy, se levantando e esperando que o resto fizesse o mesmo. - Muito obrigado pelo conto maravilhoso. Saiba que estou muito ansiosa para saber o que acontece.

- Muito obrigado! - falei me segurando no braço de Mathew, que pareceu balbuciar a mesma frase.

Todos nos despedimos dela e um do outro, e Mathew me seguiu até em casa, eu pediria para que ele dormisse lá esta noite.

Passamos então, primeiramente, na casa de Mathew, para que ele telefonasse para sua mãe e avisasse que dormiria em minha casa - além de pegar suas roupas e acessórios. Percorremos a pé o caminho até em casa, e lá tomamos chocolate quente sentados em frente a lareira.

- O que você achou sobre aquela história de espíritos? - questionou Mathew.

- Ah, Mat! - comecei. - Eu acho que pode ser possível...

- Se algo maior me acontecer, posso até questionar se é possível. - disse ele, tocando os lábios na caneca de chocolate.

- Você quer dizer, que um espírito o toque? - ri baixinho.

- Não precisaria tocar... - rimos.

- E se fosse eu o espírito? - falei baixinho, me aproximando.

- Ah... - sorriu pra mim. - Aí eu deixaria... Deixaria que me tocasse durante anos.

Ri animadamente, e me aproximei de seu rosto, tocando os lábios no canto de sua boca, quando ouço passadas, e barulhos acima no corredor. Minha mãe vinha descendo as escadas, e por pouco que não nos via naquela cena amorosamente inimaginável.

- Vocês vão querer biscoitos?... - disse ela se aproximando.

- Não, mãe! - gritei sem querer, ainda tenso por quase sermos pegos. - Não... Obrigado.

Ela apenas me olhou um pouco assustada, mas continuou a descer as escadas em direção à cozinha.

- É meio arriscado fazermos essas coisas aqui, enquanto sua mãe estiver presente. - balbuciou Mathew.

Colocamos as canecas sobre a bandeja em cima da mesinha de vidro, e observamos os movimentos da chama, o fogo que se partia em labaredas amarelas, formas intuitivas, olhar ardente e penetrante.

Mais tarde subimos, para jogar e assistir televisão. Não poderíamos ficar abraçados em minha cama, debaixo do cobertor enquanto meus pais não estivessem dormindo, pois eles sempre entravam uma vez ou outra para falar ou oferecer alguma coisa. No final, quando meu pai chegou do trabalho, e ambos já permaneciam deitados em sua cama, eu e Mathew nos juntamos na minha.

Mesmo que seu espaço para dormir ao lado da minha cama já estivesse preparado, precisávamos apreciar mais esse momento juntos.

- Eu te amo tanto, Shawn. Loucamente. Deliberadamente. Infinitamente! - dizia ele próximo ao meu ouvido, fazendo os pelos de meus braços arrepiarem, e sentir uma vontade insaciável de agarrá-lo e fazer coisas obscenas.

- Eu também te amo, Mathew. Gigantemente. Abruptamente. Únicamente! - respondi.

Estávamos abraçados, um de frente para o outro, observando o ser dentro de cada um através do olhar.

- Amo advérbios de modo! - ri junto dele. E assim permanecemos durante quase toda a noite. Pois de manhã não poderíamos ser vistos assim.

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S.L.M (Romance Gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora