Capítulo 12

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A capacidade suprema das incríveis tortas da minha mãe me fazerem delirar é incomparável; do seu jeito de fazer o recheio, até o simples ato de adicionar os temperos de leve sobre a massa. O café da manhã me despertou uma tênue alegria que percorreu pelo meu corpo temporariamente, me fazendo esquecer das recentes coisas ruins, me sentindo leve e satisfeito, enquanto abocanhava os doces. Meu pai era alto, e permaneceu em pé ao lado da mesa encostado na parede, tinha o jornal daquele dia nas mãos, a presença dele parado ali às vezes me desconfortava.

O relógio da cozinha enfeitado com gravuras de frutas marcava quinze minutos para o meio-dia, nesse horário meu pai se preparava para sair às segundas, e eu já estava a me trocar para ir junto dele. Minutos depois estávamos no carro e percorremos grande parte da cidade, coisa que me cansaria bastante se fosse a pé e até mesmo de bicicleta, então continuei a avistar a paisagem pela janela fechada, pois o tempo estava um pouco chuvoso e escuro e logo deveria nevar.

Não houve conversa, meus olhos refratavam o medo, minhas mãos frias e trêmulas tentavam se segurar apertando o estofado do banco. Meu pai trajava terno e gravata, dirigindo firmemente sem tirar o olhar da estrada, logo foi necessário ligar os para-brisas.

Meu coração estava incrivelmente acelerado, e ali eu me vi em pé na calçada recém suja de neve, uma pequena parte dela já continha elevação da neve que acabara caindo há poucos minutos. A viagem me deu uma sensação de embriaguez, pois nem sequer lembro de me despedir de meu pai e sair do carro, apenas estava ali de frente a clínica.

O pequeno jardim que enfeitava a entrada já me era tedioso, toquei na maçaneta fria - devia ter esquecido as luvas em cima da mesa - e abri a porta, fazendo o mesmo som das dobradiças enferrujadas que sempre fazia, o que ainda me irritava. Caminhei até o balcão, e avistei Mary, a secretária que estava sentada sobre uma cadeira muito baixa, que dissera sentir minha falta. Uma pequena mentira para começar o dia.

- O senhor não vem há tempos! - dizia ela - Seu encontro com o Doutor Jerry está agendado para daqui a dez minutos. Por favor queira aguardar. - Não. Eu não queria.

Me acomodei no assento comprido que tinha encostado na parede, e lá eu encarei todos os detalhes que mudaram e permaneceram durante os meses em que eu não vim, como: a pequena televisão que havia sido retirada de cima do balcão, talvez tenha caído e danificado-a; mudaram a cor das paredes para um azul mais claro; lixaram até os arranhados que deixei na porta de entrada do escritório, creio que afugentariam alguns clientes o fato de não terem me controlado muito bem; o resto permanecia a mesma coisa. Mary havia pintado o cabelo de vermelho-fogo, mas eu só percebera muito depois a mudança, e então despertei-me de meus pensamentos quando o Doutor Jerry apareceu na porta do escritório para me chamar.

- Seja bem-vindo, Shawn... - disse ele.

Entramos na sala que continha uma ampla estante de livros entre outros objetos, um divã, duas poltronas, e uma mesa com objetos mais. Ele se sentou em uma das poltronas, e pediu para que eu escolhesse entre a outra que sobrara e o divã; escolhi o divã pois eu estava um pouco sobrecarregado, e achava que poderia dormir e ignorar todo o acontecimento.

Ele já continha um bloco de notas em mão e uma caneta esferográfica, mas apenas começou dizendo algumas frases que sempre dizia, algumas já até decorei.

- Os melhores psicólogos tendem a fazer esta escolha para ajudar aqueles que eles sabem que precisam de ajuda. Alguns desistem, mas eu permaneci durante anos mesmo com muitas dificuldades, pois eu sei que vale a pena lutar por alguém que ama.

Mas ele não me amava. Mathew me amava.

Minha cabeça estava começando a latejar, procurei com o olhar por um relógio de parede, ou de mesa, pela sala para saber quanto tempo eu teria que suportar mais ali, mas não havia nenhum.

S.L.M (Romance Gay)Where stories live. Discover now