Capítulo 30

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Hoje é segunda-feira, mas eu não havia me dado conta disto. Depois que saí da escola, perdi levemente a noção dos dias, e enquanto eu caminhava lentamente até a cozinha, em busca de um pano molhado, em que eu pudesse limpar o sangue da pia do banheiro, ouvi o telefone da sala tocar. O som invadiu o lugar, mas eu ignorei, não estava num momento bom para falar com Mathew ou quem quer que fosse.

Busquei o pano, azulado e velho, molhando sobre a torneira da cozinha, torci para tirar o excesso de água e me voltei para ir ao quarto. Subindo a escada o telefone tocou pela segunda vez, e supondo que pudesse ser meu pai com a notícia de que viria mais cedo para casa, me apressei a descer, e peguei o telefone com o braço direito que se mantinha intacto.

- Alô? - dizia uma voz feminina. - Gostaria de falar com Shawn...

- É ele. - respondi com rapidez, mas com pesar em minha fala.

- Aqui é a recepcionista da clínica, eu gostaria de confirmar sua presença hoje, às quatro e meia. - houve uma pausa. Era três e quarenta e cinco.

- Eu... Não poderei comparecer. Sinto muito.

- Então, Shawn, é que hoje estava marcado para ser seu exame geral, o Doutor Jerry gostaria de ter os resultados... - Não. Ninguém gostaria de ter nada naquela clínica, senão uma férias prolongada. - E não teria como adiar o exame, a não ser que eu tenha a autorização de seus pais, para que eles possam decidir uma data adequada.

- Eu não estou em condições de sair de casa no momento. - questionei.

- Bem, então eu ligarei para algum de seus responsáveis. - respondeu a voz - E notificarei de que será remarcado por impossibilidade do paciente.

O que meu pai acharia de eu ter me ausentado na clínica, principalmente no dia de um exame geral, com a desculpa de que eu estava impossibilitado de ir, sendo que ele já achava que eu estava bem o suficiente para voltar à escola?

- Bem - falei - não precisa ligar a eles. Estarei aí por volta das quatro e meia.

O que eu estava fazendo?

- Tudo bem. Obrigado, e até mais. - desligou.

Fiquei encarando o aparelho na minha mão por alguns segundos, até ele apitar e eu colocá-lo novamente no gancho. Deslizei meus pés sobre o piso encerado até as escadas, e fui para meu quarto com o pano úmido em minha mão.

No banheiro, enquanto eu forçava para as gotas densas e escuras como vinho saírem da pia, eu olhava atentamente para as marcas em meu antebraço, eram belas e pavorosas ao mesmo tempo. Doíam e satisfaziam minha dor.

Depois de tudo estar limpo, e das evidências terem sido descartadas no lixo, me arrumei rapidamente e me preparei para o que vinha logo em seguida. A camiseta de manga comprida preta, e o colete jeans por cima era o look para esconder o que eu havia feito, e sem outra opção fui até a garagem buscar minha bicicleta. Pedalar não era tão cansativo, já me acostumei com os tempos em que eu ia de bicicleta para a escola e ao parque, e com o pulso dolorido o único problema era manusear frequentemente o freio, que fazia com que os tendões daquela área se movessem demais.

Não nevava, mas o frio ainda fazia meus dedos ficarem dormentes com a corrente que vinha contra mim e a bicicleta. Cheguei na clínica e deixei a bicicleta encostada sobre uma das paredes laterais perto das grades de segurança, entrei e me deparei com Mary e seus cabelos avermelhados, que me encarou assim que passei pela porta.

- Oh, Shawn! Boa tarde. - disse ela alegremente. - Você chegou bem na hora.

Forjei um sorriso.

Minutos depois de me sentar, fui chamado para me encontrar com o Doutor Jerry, que manteve seu bigode cada vez maior, pena que sem bons tratos, fazendo-o parecer o rabo de um guaxinim velho que foi atropelado. Pediu para que eu o acompanhasse a uma outra sala, onde esta era repleta de aparelhos semelhantes ao de um hospital, com uma maca bem baixa e branca, assim como as paredes totalmente brancas, exceto pelos retratos e imagens educativas como a parede de uma sala de aula do primário.

- Por favor, Shawn. Poderia se sentar aí? - disse Jerry.

Me sentei na maca, que mais se parecia um divã velho e de má qualidade. Ele me encarou e pegou uma prancheta, inspecionando tudo que havia nela.

- Bem, você sabe como funciona os exames gerais. - assenti, e ele continuou a falar. - Vou medir sua pressão, seu peso, ver se não tem marcas no corpo, e um rápido exame de sangue.

Droga. Ele vai mesmo olhar meu corpo?

- Ok. - respondi.

Primeiro ele pediu para que retirasse os sapatos e objetos do bolso, e se possível, a camiseta, para que o peso na balança não se alterasse.

- Eu gostaria de ficar com a camiseta. Não me sentirei à vontade sem.

- Tudo bem. - disse Jerry. - Mas terá que tirá-la para eu ver se...

- Eu sei. - interrompi-o.

- Muito bem! Suba na balança.

Tirei o celular do bolso e subi. Aos poucos os números iam se modificando.

- 61 kilos e 300 gramas. Ótimo. - concluiu o Doutor.

Desci da balança depois do Doutor ter anotado em sua prancheta, e logo ele me pediu para que eu me sentasse, e com o aparelho de pressão, ele se preparou para instalar em meu braço esquerdo.

- Levante a manga. - disse ele.

Eu o olhei nos olhos. Hesitei. Respirei. Por um momento deixei de respirar.

Não poderia negar, ele saberia que eu estava escondendo algo. Eu deveria fazer com que parecesse algo qualquer.

Levantei a manga, mostrando os rasgos compridos e horizontais em meu braço.

- O que é isso? - perguntou ele surpreso.

- Me cortei. Com vidro. Copos. - falei. - Eles caíram no meu braço enquanto eu lavava a louça.

Ele aproximou o rosto de meu braço, tão próximo que quase recuei.

- Puxa. Tão fundo... - exclamou. - Não chamou a emergência? - fiz que não com a cabeça. - Nem ligou para seus pais? - dizia ele em um tom inacreditado.

- Não foi tão grave.

- Por favor. Cacos de vidro não fazem um estrago desses. Apenas horizontalmente?

Ele me olhou bem fundo nos olhos, com uma expressão assustadora. Eu engoli em seco e tentei me afastar um pouco.

- Eu... Não foi nada... Eu... Estou bem. Juro.

Ele pegou em meu pulso direito, e eu puxei tentando fazê-lo soltar.

- Shawn. Não lute contra. Ligarei para seus pais. Vamos decidir isso com calma.

- Não! O que vocês vão fazer comigo?! - comecei a gritar.

Ainda segurando em meu braço com força, ele abriu uma brecha na porta e gritou por uma das mulheres encarregadas de ajudar a segurar e imobilizar pacientes. Logo apareceu uma mulher um pouco mais nova que o Doutor, com os grandes seios quase saltando do decote do uniforme. Ela entrou trazendo uma outra maca, com fivelas ajustáveis nas laterais, para os braços e pernas, onde eu fui posto e preso.

Maldita companhia psiquiátrica, vejo ela como um desses colégios militares que obrigam pessoas a fazerem exercícios físicos impróprios, e proibindo elas de fazerem qualquer escolha a respeito de uma roupa ou comida. Como uma prisão. Mostra o lado bom aos pais dedicados a mover uma situação complicada de seus filhos, mas escolhem mover pela opção errada, a qual machuca muito mais, o lado que não costumam mostrar.

"É preciso fazer algumas coisas que não queremos, para o bem de todos.", dizem os pais.

E foi assim que fui mantido imobilizado, aguardando a chegada e autorização de meus pais para que finalmente eu fosse internado em um dos melhores hospitais, sob a supervisão regular do Doutor Jerry.

Sei que me matar não foi a intenção com o ocorrido anteriormente, mas, por um momento eu desejei que fosse, e que eu houvesse tido sucesso com isso.

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S.L.M (Romance Gay)Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang