Parte I: Os nativos e suas dores - Capítulo 1 - Quem você mataria?

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Parte I: Os nativos e suas dores.

 

Capítulo 1 – Quem você mataria?

__Imagine que você está diante de uma alavanca em uma bifurcação de uma linha de trem, por meio dela você pode mudar o rumo de um trem para o caminho da esquerda ou para o da direita. Um vagão desgovernado está se aproximando, mas há um problema: algum psicopata amarrou pessoas tanto no caminho da esquerda quanto no da direita. Você não conhece essas pessoas e a única coisa que você sabe a respeito delas é... – Ele olhou para o rosto do colega e completou - Há quatro pessoas amarradas no trilho da direita e três no da esquerda. O que você faria?

Ethan ficou brevemente pensativo e respondeu sem emoção:

__Desviaria para a esquerda.

Joshua, após narrar sua formulação do clássico dilema do Vagão Desgovernado, em um tom de voz empolgado apresentou sua versão de outro dilema: o da Passarela:

__Agora imagine que você está na mesma situação: uma bifurcação férrea, três pessoas na direita e quatro na esquerda. O que muda é que você está sobre uma passarela diante do trem desgovernado e há uma pessoa desconhecida dando sopa em sua frente... –Joshua sorriu de modo sombrio e continuou - Caso você a empurre, você terá toda a certeza de que o peso dela será capaz de parar o vagão e salvar todas as pessoas amarradas. O dilema consiste em jogar ou não essa pessoa lá de cima para salvar outras sete vidas?

Dessa vez, Ethan engoliu a seco e, após alguns instantes de hesitação, respondeu:

__Não, eu acho que eu não jogaria a pessoa lá de cima...

O outro adolescente então com o semblante feliz disse:

__Então você não é um psicopata, poderá ser colega de quarto... – E diante do riso de Ethan, Joshua explicou brevemente – O primeiro dilema é um dilema moral do tipo impessoal, você não precisa fazer o mal diretamente, já no segundo, que foi chamado de dilema moral do tipo pessoal, você precisa agir e fazer o mal diretamente, no caso matar alguém.

E prosseguiu buscando palavras para explicar:

__As pessoas “normais” tendem a raciocinar matematicamente no primeiro dilema: salvar o máximo de vidas o possível. Isso representa uma postura moral chamada de utilitária. Já no segundo tipo de dilema as pessoas “normais” tendem a abandonar esse raciocínio matemático e acabam inconscientemente adotando uma postura dita deontológica, ou seja, não fazer o mal independentemente da necessidade. Mas, os psicopatas tendem a pensar matematicamente em ambos os cenários...

Antes de terminar, Rachel se aproximou dos dois e interrompeu a conversa de modo ríspido:

__Tão artificial esse dilema! – Olhou para Joshua e disse – Agora, imagine que você está em uma rodovia duplicada, digamos em Québec e, de repente, surge um alce cruzando a sua pista prestes a colidir contra seu caminhão. – Ela prosseguiu mecanicamente – Bem, você pode se manter na sua pista ou pode invadir a pista contrária. Você sabe que vai morrer se o alce atingir o seu carro, mas vai sobreviver as colisões na pista contrária, no entanto, pode escolher se  desviar de apenas de um dos dois veículos que nela transitam: um ônibus com 40 pessoas e, ao lado, um carro de passeio com cinco pessoas. O que você faria?

Joshua imaginou brevemente o peso de mais de meia tonelada de um alce se chocando contra o para-brisas e o esmagando na cabine e respondeu:

__Eu desviaria do ônibus: 40 pessoas menos cinco dá um saldo de 35 vidas salvas.

Rachel rebateu com um misto de raiva e de ironia:

__Por que você não escolheu se manter na sua pista?

Joshua retorquiu rapidamente:

__Para morrer esmagado por um alce?

Rachel apenas disse antes de tomar o corredor:

__Saldo final de 44 vidas, nada mais utilitário...

O adolescente engoliu a seco e perplexo questionou ao colega:

__O que deu nela?

Ethan constrangido respondeu:

__É que o exemplo que ela usou foi real. – Ele engoliu a seco – Bem, era a família dela que estava no veículo de passeio em Québec e o caminhoneiro teve o mesmo raciocínio seu...

Joshua se encolheu encabulado na cadeira e balbuciou:

__Eu não... – Completou – Eu não sabia disso.

Horas mais tarde, Ethan procurava Rachel, que estava sentada com a cabeça baixa no pátio:

__Você está bem?

Ela respondeu com outra pergunta:

__Será que ninguém percebe que a moral das pessoas é uma farsa?

Ethan não disse nada e ela prosseguia com o tom de voz alterado:

__Ninguém pensa em salvar mais vidas quando é a sua própria vida que está em jogo...

O jovem contrapôs sutilmente:

__Mas, isso já seria um caso extremo...

Ela continuou:

__Não existe bondade verdadeira no mundo!

Ethan ficou pensativo e afirmou:

__Mas, há todos os dias pessoas que se sacrificam por alguma causa...

Ela o interrompeu:

__Até que ponto se sacrificam... Um grande investidor idoso pode doar quase toda a sua fortuna hoje, como vimos nos jornais. Mas, por que ele não fez isso enquanto jovem?

Ethan não contrapôs dessa vez e ela prosseguia:

__Alguém pode doar seus agasalhos velhos, ou as roupas novas que não lhe agradaram. Qualquer pessoa assalariada pode dar algumas moedas para um mendigo... Mas há sempre um limite na caridade, um limite nas boas ações...

E o adolescente então indagou calmamente:

__Qual?

Ela olhou para seu rosto e completou:

__Aquele que se atinge quando o custo pessoal se torna maior do que os benefícios.

Ethan sorriu brevemente:

__Uma simples relação de custo-benefício?

Rachel concordou dizendo:

__Tudo fica tão óbvio quando interpretamos as ações das pessoas desse modo...

E o adolescente completou:

__Óbvio e cruel.

E ela concordou:

__Exatamente, o mundo é cruel.

E se levantou com seu comportamento evasivo típico, tomou o caminho em direção ao corredor e, após cruzar um jardim vivamente ornamentado, Rachel atingiu o portão da escola.  Franziu a testa e fuzilou com o olhar o segurança que a aguardava, seguiu em direção a seu carro, enquanto ele se apressava para alcança-la, pois sabia que ela iria arrancar rapidamente na esperança de deixa-lo para trás.

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