Capítulo 71 - Brincadeira cara.

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Quando deram por conta de si estavam novamente na aldeia, Rachel se despediu de Louise e foi até a beira do rio, via ao longe a canoa com seu ex-marido e seu filho, minutos mais tarde alguém sentava de seu lado com um semblante pesado:

__Rachel, precisamos conversar...

Ela se levantou como se já previsse aquela abordagem:

__Sim, Henri, é claro...

Henri parecia nervoso, decepcionado, Rachel nunca o vira daquele modo:

__Sua brincadeira custou à vida de Ambedkar II...

__Mas, eles não têm tecnologia para curar tudo?

__Choques na velocidade da luz podem ser letais... Por que eu não pensei nisso!

Seus olhos estavam úmidos e salgados enquanto ele se lamentava, Rachel perplexa questionou aparentemente sem se importar com isso:

__Então ele se manteve na rota, mesmo sabendo que poderia morrer?

__Sim, eu gerei uma pane no sistema, convergi às naves para um ponto das Ilhas Canárias, programei para que sua nave de transporte voasse na contramão, ao lado dele havia outras naves de passeio, aquelas que se formam através dos próprios estrangeiros...

__Mas, isso foi em um segundo... Ele consegue mesmo pensar tão rápido?

__Um milionésimo de segundo é tempo considerável para essas criaturas. Podem acelerar ou tornar mais lento o processamento de dados e a percepção. Por exemplo, desaceleram o processamento mental quando conversam com os humanos, para poder acompanhar o tempo de percepção deles...

Ele concordou com um olhar que revelava uma grande mistura de sentimentos:

__Sim, seu cérebro calculou uma opção melhor diante do acidente iminente...

Rachel olhou entristecida para Henri e comentou:

__Uma decisão verdadeiramente altruísta...

__Sim, você sabia que a nave em que viajava seria muito menos resistente do que aquela que vocês viajavam, seria como se um carro pequeno se mantivesse em linha reta mesmo sabendo que um caminhão estaria vindo... E Ambedkar II fez isso, deixou de desviar para não correr o risco de atingir naves com mais passageiros...

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Rachel e ela disse soluçando com os olhos salgados:

__Eles são melhores do que nós. Entram no cálculo das próprias decisões morais, que ser humano faria isso? Sacrificaria a própria vida para não colocar a de outras pessoas desconhecidas em risco?

Ela tomou o fôlego e indagou algo que ficaria matutando na mente de Henri durante a madrugada:

__Por que você insistiu tanto em preservar a humanidade?

As horas passavam lentamente, Rachel sentia uma angústia dilaceradora crescer em seu peito, pela primeira vez passava em sua cabeça certa admiração pelos Estrangeiros. Sentava-se em um tablado à beira do rio, estava a cada dia mais isolada e não sabia responder a Nicolas o porquê de estar agindo desse modo. Seus velhos lutos lhe voltavam à mente, sentia-se caminhando em um corpo estranho, não se reconhecia em sua própria voz. Henri também estava sentindo algo parecido, às vezes caminhava pela beira da mata durante a madrugada e dias depois, ao encontrar Rachel em seu passeio noturno afirmou:

__Na verdade eu não sei por que insistir nisso...

Seu rosto parecia transtornado, tal como estava o de Rachel, sentia seu último pilar de esperança desabar. No fundo Henri não podia mais contar nem com si próprio, sentia sua humanidade lhe abandonando dia após dia, como uma vela prestes a se apagar.

Dias mais tarde Laurent, Louise e a antropóloga Jacqueline lhe abordaram enquanto ele colhia tristemente algumas espigas de milho. Rachel ao vê-los caminhar para o roçado não pestanejou a segui-los furtivamente. Suas mãos carregavam um objeto que roubara de Jacqueline.

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